"Sagração" no Teatro Tobias Barreto: quando o ritual vira palco

Colker propõe uma travessia poética entre mitos ancestrais, ciência e corpo em movimento

Por Victória Valverde / Redação do portal A8SE 02/10/2025 20h26
"Sagração" no Teatro Tobias Barreto: quando o ritual vira palco
Foto: Divulgação/Flávio Colker

Assistir Sagração, da Companhia de Dança Deborah Colker é uma experiência que pede entrega. A sessão do espetáculo aconteceu na última quarta-feira (1), às 20h, e perdurou ainda depois de as luzes se apagarem.

Nesta versão reinventada de A Sagração da Primavera de Stravinsky, Colker propõe uma travessia poética entre mitos ancestrais, ciência e corpo em movimento.

Entre o familiar e o estranho

Desde o princípio, o espetáculo já nos coloca em suspensão. A partitura original do compositor russo Stravinsky que, em sua estreia em 1913, escandalizou plateias com sua dissonância, ritmos irregulares e coreografia radical, serve como espinha dorsal, mas é reconstruída para dialogar com o Brasil, com os povos originários e com outras camadas simbólicas.

A obra original é, por si só, um marco da modernidade artística. A Sagração da Primavera foi o estopim de uma ruptura: ao combinar dissonâncias musicais, estruturas rítmicas inéditas e uma coreografia considerada “selvagem” para a época, Stravinsky e o coreógrafo Nijinsky transformaram o palco em campo de choque estético.

É, em muitos sentidos, uma obra modernista perfeita: rompeu com convenções da música erudita, apostou na força do primitivo como estética e abriu espaço para que o caos, a estranheza e a vitalidade também fossem considerados arte.

O corpo-cenário e o som híbrido

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Foto: Divulgação/ Flávio Colker

No palco tudo se move: não apenas os bailarinos, mas o ambiente cênico. Gringo Cardia constrói a paisagem dramática com 170 bambus de 4 metros de altura, que se metamorfoseiam — floresta, lanças, embarcações, redes — e compartilham do protagonismo com os corpos.

Esse dispositivo cenográfico reforça a tensão entre rigidez e maleabilidade, entre o que é natural e cultural.

No campo sonoro, Alexandre Elias propõe uma arqueologia musical. A trajetória original de Stravinsky é mantida, mas ganha um corpo novo, ao entrelaçar instrumentos indígenas e populares: maracá, caxixi, paus de chuva tocados pelos bailarinos e ritmos brasileiros como afoxé, samba, coco e boi-bumbá.

Isso cria uma ambiência híbrida: reconhecível, mas deslocada, em que o erudito e o ancestral dançam juntos.

O que fica depois da última nota

Quando as luzes voltam, o público carrega consigo não apenas o brilho visual dos bambus, a cadência dos ritmos ou o vigor dos movimentos, mas a sensação de ter atravessado um rito.

Sagração é, como a obra que lhe inspira, um exercício modernista de ruptura — capaz de desestabilizar para que possamos enxergar de outro modo.

No Tobias Barreto, essa travessia se fez presente: um ritual coreográfico que une cosmologias diversas e reafirma que o palco pode ser lugar de origem e de futuro.

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Foto: Divulgação/ Flávio Colker

Ficha Técnica – Sagração

  • Espetáculo e realização: Companhia de Dança Deborah Colker
  • Direção e concepção: Deborah Colker
  • Direção musical e arranjos: Alexandre Elias
  • Cenografia: Gringo Cardia
  • Assessoria conceitual: Nilton Bonder
  • Participação especial: Takumã Kuikuro (narração e colaboração nas cosmogonias)
  • Iluminação: (geralmente assinada por Jorginho de Carvalho)
  • Produção local (Aracaju): Villela Produções, com assessoria de NV Assessoria de Imprensa
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