
Por: Sudanês B. Pereira
Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.
Informalidade e Globalização [as cadeias globais de valor podem ser uma fonte de emprego informal]

Globalmente, o emprego informal continua a ser a norma. Infelizmente é isso o que mostra o relatório “Informality and Globalisation. In Search of a new Social Contract”, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O objetivo do relatório é fornecer uma melhor compreensão do que pode ser feito para apoiar a Agenda da Formalização, considerando as oportunidades e desafios trazidos pela globalização e novas formas de trabalho, e como o aprimoramento dos contratos sociais pode contribuir para essa agenda.
De acordo com o relatório, a globalização e a crise do coronavírus (Covid-19) contribuíram para a erosão dos contratos sociais, especialmente nos países mais pobres. Mesmo antes da crise da Covid-19, quase 2 bilhões de trabalhadores, representando cerca de 60% da população empregada do mundo, tinham empregos informais, o que significa que eles não têm proteção social, têm menos direitos no trabalho e pouco acesso a treinamento. Além disso, mais de 80% das empresas operavam no setor informal em todo o mundo, antes da crise da Covid-19.
Segundo os resultados do estudo da OCDE, onde estruturas legais, instituições e procedimentos falham em cumprir o contrato social, seja como resultado de má concepção ou implementação, os níveis de informalidade tendem a ser altos e, por sua vez, associados a resultados sociais ruins, o que reforça a vulnerabilidade dos trabalhadores informais e seus familiares.
Para a OCDE, "embora a integração da economia global possa ser um elemento determinante do crescimento econômico, produtividade e eficiência, seu impacto na criação de empregos formais em grande parte do mundo em desenvolvimento até agora tem sido ambíguo". Uma maior integração com a economia mundial tem sido associada a níveis mais baixos de emprego informal em países de renda média-alta e alta, mas não em países de renda média-baixa e baixa.
HIGHLIGHTS DO RELATÓRIO
A informalidade está fortemente ligada ao grau de desenvolvimento econômico e institucional
Não somente para OCDE, mas todos os estudos são unanimes, a economia informal está fortemente ligada ao grau de desenvolvimento econômico e institucional, bem como à estrutura da economia e do mercado de trabalho. O relatório mostra que a economia informal existe em todos os lugares, porém, ela é mais prevalente em países de baixa renda, onde constitui 89,0% do emprego total.
O que revela o relatório Informality and Globalisation 2023:
[1] O emprego informal representa 89,0% do emprego total em países de baixa renda, 81,6% em países de renda média-baixa, 49,7% em países de renda média-alta e 15,9% em países de renda alta.
[2] A porcentagem é maior na África, mas com diferenças significativas entre os países da região.
[3] Na Ásia e no Pacífico, a taxa de emprego informal varia de menos de 20,0% nos países desenvolvidos da região, como Austrália ou Japão, a quase 90% ou mais em Bangladesh, Camboja, Índia e República Democrática Popular do Laos.
[4] Os Estados Árabes têm o terceiro maior nível regional de emprego informal (54,0%).
[5] Nas Américas, o emprego informal varia de 9,8% na América do Norte a 53,6% na América Latina e Caribe (ALC). Há também uma variação significativa na região, variando de 24,5% no Uruguai, entre 30,0% e 40,0% na Costa Rica e no Chile, quase 80% na Guatemala e mais de 80% na Bolívia, Honduras e Nicarágua.
[6] Na Europa e na Ásia Central, o emprego informal representa 19,7% do emprego total, situando-se em 13,5% nos países de alta renda e em 27,8% nos países de renda média. Na Albânia, Armênia, Quirguistão e Tadjiquistão, pelo menos metade dos trabalhadores tem empregos informais.
Do ponto de vista de muitos que trabalham na economia informal, a informalidade é, antes de mais nada, um meio de sobrevivência - geralmente é a única solução para ganhar a vida. Nesse contexto, a grande maioria (65,0%) dos trabalhadores em empregos informais vive e trabalha na Ásia e no Pacífico, em grande parte por conta da China e da Índia (ver figura abaixo).
Um em cada cinco trabalhadores informais trabalha na África; segue-se as Américas (8,6%, incluindo 7,7% na América Latina e Caribe), Europa e Ásia Central (5,1%) e Estados Árabes (1,7%). A África Subsaariana, o Sul da Ásia e o Sudeste Asiático e Pacífico, são as três sub-regiões nas quais os trabalhadores informais estão super-representados quando os números são comparados à distribuição do emprego global.

A informalidade abrange uma variedade de formas - dentro e entre as economias
De vendedores ambulantes a trabalhadores não declarados em empresas formais, de pequenos agricultores a assalariados em empresas informais, de trabalhadores domiciliares a trabalhadores ocasionais, as características do emprego dos trabalhadores informais são diversas.
Concomitante com essa diversidade de trabalhadores está a variedade de negócios que eles operam, bem como as famílias e empresas em que trabalham. A informalidade também inclui empregados informais que trabalham em empresas formais (11,3%, incluindo muitos trabalhadores não declarados) e em domicílios (1,3%, trabalhadores domésticos). A proporção de empregos informais em empresas formais é quase três vezes maior em países de alta renda (28,4%) do que em países de baixa e média renda (10,3%).
A informalidade é um fenômeno complexo. É extremamente importante que políticas voltadas para a formalização de empresas sejam condição necessária para a formalização de empregos de empregados no setor informal (21,1%) (ou seja, seu acesso a trabalho adequado e proteção social). A formalização de empresas também atinge trabalhadores familiares contributivos (11,7%), como forma de melhorar suas condições de trabalho (ao invés de acesso ao emprego formal). Tais medidas representam o principal caminho para empregos formais para trabalhadores independentes que possuem ou operam sua própria unidade econômica informal (46,4%). A figura abaixo ilustra as formas de empregos informais. Ela mostra que em 2019 a maioria (79,2%) dos trabalhadores informais no mundo estava empregada no setor informal (21,1% + 46,4% + 11,3%).

Informalidade e plataformas digitais de trabalho
As plataformas digitais de trabalho que fazem a mediação do trabalho fornecem novas formas de organizar a produção e o trabalho. Como tal, elas representam um desafio para empregadores, trabalhadores e governos.
Segundo o relatório, a parcela do emprego informal costuma ser maior entre os trabalhadores em plataformas digitais de trabalho do que entre os trabalhadores na economia offline tradicional. Isso ocorre porque a grande maioria dos trabalhadores de plataforma de trabalho digital são classificados como contratados independentes ou autônomos, que geralmente permanecem sem registro.
O trabalho por meio de plataformas digitais vem crescendo e penetrando em todas as regiões geográficas no mundo. No Brasil, a plataforma Ifood teve uma receita de US$ 240 milhões em 2021, a 99 obteve uma receita de US$ 7 milhões e a Easy taxi US$ 5 milhões. É fundamental a regulamentação desse novo ator que está alterando as relações de produção e trabalho onde estão presentes, seja no nível local ou global. As receitas oriundas desse modelo de negócio não condizem com a relação de trabalho dele derivada.
As cadeias globais de valor podem ser uma importante fonte de emprego informal
De acordo com o relatório da OCDE, até o ano de 2020, cerca de 70% do comércio internacional foi organizado por meio de cadeias globais de valor (CGV). Entre os países com dados disponíveis, o risco da informalidade é maior nas CGV originárias da Índia e da Indonésia. Nesses países, a soma do percentual de emprego informal e do percentual de emprego doméstico incorporado na demanda final estrangeira, é superior a 100%, o que significa que pelo menos parte do emprego relacionado às CGV é definitivamente informal. Quanto maior a soma, maior a probabilidade de que pelo menos algum emprego relacionado a CGV seja informal, o que significa que, em alguns países, não se pode descartar que o emprego informal e as CVG estejam relacionados. Ver a figura 4 ilustrando a relação entre o emprego informal e as cadeias globais de valor. A somatória do Brasil foi 59%, resultado da soma do % de emprego informal (46%) + % de emprego doméstico incorporado na demanda final estrangeira (13%). A somatória da Argentina foi 55% (46% emprego informal + 8% emprego doméstico incorporado na demanda final estrangeira).

O emprego informal tem uma forte dimensão setorial
O relatório mostrou que seis setores têm taxas de emprego informal que superam a média global (58,2%): nove em cada dez trabalhadores na agricultura; mais de oito em cada dez trabalhadores no setor de trabalho doméstico e produção familiar para uso próprio; perto de três em cada quatro trabalhadores do setor da construção; e três em cada cinco nas atividades de alojamento e restauração, comércio por atacado e varejo, reparação de veículos e motociclos, e outras atividades de serviços. A figura abaixo ilustra o percentual de informalidade por setor, no mundo, e nos países de baixa e média renda e de alta renda.

Alguns comentários
A realidade global do trabalho informal hoje é de mudança e continuidade, infelizmente essa é a conclusão ao ler o relatório.
Onde a globalização e a tecnologia trazem novas atividades, muitas vezes elas informalizam empregos anteriormente formais e permitem novas formas de trabalho informal. No entanto, em atividades que continuam dominadas pelo trabalho autônomo precário e de baixa renda, como a agricultura nos países mais pobres, a informalidade continua sendo a norma.
O relatório é claro. Na maioria dos casos, as mudanças trazidas pela globalização não induziram - nas configurações políticas, econômicas e sociais dos países de baixa e média renda - uma mudança orgânica e positiva na situação dos trabalhadores da economia informal.
Como resultado, quase 60% dos trabalhadores do mundo estão excluídos das proteções concedidas aos trabalhadores formais, mas também dos serviços públicos, como saúde, educação e treinamento de habilidades, necessários para apoiar a vida profissional.
Um fato revelador do relatório foi ter mostrado uma visão detalhada dos impactos complexos sobre o trabalho formal e informal da liberalização do comércio, o desenvolvimento de cadeias de valor globais e as consequências da mudança tecnológica, incluindo o surgimento de plataformas digitais de trabalho.
O estudo da OCDE mostrou que a expansão das cadeias globais de valor criou desafios adicionais e complexos. A informalidade nas CGV depende dos tipos de vínculos (para trás ou para frente), da forma como a produção é organizada, dos modos de governança, das possibilidades de atualização dentro e entre as CGV, das práticas de compra e dos setores de atividade. As CGV na agricultura e na fabricação de roupas têm algumas das maiores pegadas de emprego informal.
O fato é que qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável deve ter como centro a formalização da economia e a redução da vulnerabilidade dos trabalhadores informais.
¡Excelente semana!
Mais vídeos

Hospital de Cirurgia se prepara para oferecer atendimento pediátrico de alta complexidade

Programa de intervenção vem trazendo resultados positivos com crianças e adolescentes com TEA

Pesquisa mostra que o acesso à rede, pode parecer simples, mas não é tão fácil

Direto de Brasília 17/09/25 - Aprovada PEC blindagem
