Desafios diários no transporte: a realidade de quem depende do ônibus em Aracaju

Atrasos, superlotação e obras viárias complicam a rotina de quem depende do transporte público

Por Rafaela Prado 24/11/2025 21h41
Desafios diários no transporte: a realidade de quem depende do ônibus em Aracaju
Foto: Rafaela Prado

Ainda antes das 6h, quando grande parte da cidade começa a se movimentar, os pontos de ônibus em Aracaju já estão cheios. No Bugio, Santa Maria, Lamarão e Santos Dumont, passageiros aguardam por longos períodos enquanto observam veículos passarem lotados, sem condições de parar. A cena se repete diariamente e revela a pressão enfrentada por quem depende exclusivamente do transporte público para trabalhar, estudar ou cuidar de assuntos pessoais.

A rotina começa cedo e exige planejamento. É o caso da estudante, Lorrana Santos, de 22 anos, que precisa pegar dois ônibus, passando pelo Terminal Leonel Brizola, para ir da sua casa, no bairro Jardim Centenário, na Zona Norte de Aracaju, ao Distrito Industrial, em Nossa Sra. do Socorro, onde trabalha.

Ela conta que precisa sair de casa mais de duas horas antes do horário de entrada. A incerteza sobre o horário da chegada dos ônibus gera insegurança: “Se o atraso passa de 20 minutos, já fico com medo de perder o ponto eletrônico”, conta a estudante que embarca no Terminal Leonel Brizola.

O problema se acentua nos horários de pico. Percursos que normalmente durariam cerca de 40 minutos chegam facilmente a mais de uma hora e meia, devido à combinação de lentidão no trânsito, frota insuficiente e paradas prolongadas para embarque em veículos já lotados. Mas o problema não está restrito à Zona Norte. Na Zona Sul, onde a implantação do Complexo Viário Senadora Maria do Carmo do Nascimento Alves, provocou uma interdição de aproximadamente 450 metros de extensão da pista destinada aos ônibus do transporte público, ciclovia e passeio, usuários relatam atrasos que chegam a dobrar o tempo de viagem.

value.image
Foto: Rafaela Prado

A estudante Juliana Christhine Sampaio, de 21 anos, também vivencia diariamente os transtornos relacionados ao sistema de transporte coletivo. Todos os dias, ela sai do estágio, no bairro 13 de julho, na Zona Sul da Capital Sergipana, em direção ao bairro Farolândia, também na Zona Sul. Ela precisa chegar à faculdade, no tempo das aulas a noite. “Antes eu chegava tranquila, mas agora, o ônibus nem passa no horário, e quando passa já vem lotado”, relata.

Juliana explica que o trecho da obra é o mais crítico: “ Tem dia que o ônibus fica parado uns 15, 20 minutos sem andar. A gente fica lá dentro tentando não se desesperar com o atraso.”

A rotina de Lorrana e Juliana reflete a realidade de milhares de jovens sergipanos que estudam em um turno e trabalham em outro. E, quando o transporte público falha, a vida inteira desorganiza.

Procurada, a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) afirmou que a mobilidade urbana é prioridade da Prefeitura e que diversas ações vêm sendo implementadas para reorganizar o sistema.

Segundo o órgão, várias linhas passaram por ajustes de itinerário e reestruturação operacional, como as linhas 002, 003, 020, 030, 040, 102 e 601, além da extensão da linha 410 e da inclusão de novos atendimentos nas linhas 001 e 080. Também foram criadas linhas como a 022, 616 e a circular 300-1 e 300-2, reforçando a integração entre bairros e áreas centrais.

A SMTT destacou ainda a modernização da frota: Aracaju conta hoje com 439 ônibus, sendo 83 climatizados, entre eles 15 totalmente elétricos. Em seis meses, a idade média da frota caiu de 12 para 7,74 anos. Mesmo com os investimentos, a tarifa permanece congelada em R$ 4,50.

Sobre os atrasos na Zona Sul, o órgão reconhece que a obra viária provoca “desvios temporários e redução de velocidade”, influenciando o tempo de viagem. A superintendência afirma monitorar o sistema diariamente e cobrar reforço de frota nos horários de maior movimento.

Para especialistas, porém, os avanços não são suficientes. O arquiteto e urbanista Ricardo Mascarello avalia que a solução não está apenas na renovação da frota. “Modernizar é necessário, mas não basta. A mobilidade precisa ser pensada como sistema integrado: calçadas, ciclovias, corredores exclusivos, infraestrutura de pontos, planejamento de viagens. O passageiro sente o impacto do trajeto inteiro, não só do ônibus.”

A arquiteta e urbanista Flávia Saldanha reforça a necessidade de mudanças estruturais. Para ela, Aracaju só terá deslocamentos mais rápidos e eficientes quando priorizar pedestres e transporte coletivo. “A cidade é plana, tem todas as condições de estimular o caminhar, mas precisamos de calçadas adequadas, sombreadas e confortáveis.”

Flávia também defende um transporte coletivo mais robusto. “É essencial ter veículos de qualidade, itinerários que cubram realmente a cidade e pontos de parada bem distribuídos. E é preciso reduzir a prioridade do carro. Criar mais avenidas não resolve só piora.”

A urbanista aponta ainda para uma transformação mais profunda no desenho urbano. “Precisamos de uma cidade mais compacta, onde moradia, trabalho e serviços estejam próximos. Quanto menores as distâncias, maior a adesão à mobilidade ativa.”

Enquanto estudantes como Lorrana e Juliana seguem tentando ajustar a rotina às incertezas do sistema, a sensação é de que o transporte público ainda não acompanha o ritmo da cidade. O dia a dia permanece exaustivo, imprevisível e cada minuto perdido no trânsito reverbera no trabalho, no estudo e na vida pessoal.

✅ Clique aqui para seguir o canal do Portal A8SE no WhatsApp