Bricelets de São Cristóvão: a força da mulher que transforma vidas através da culinária e fortalece o empreendedorismo feminino

Vera Maria Gomes é sergipana e se destaca no ramo dos negócios regionais

Por Luciana Gois e Luzia Teles 28/02/2023 10h41
Bricelets de São Cristóvão: a força da mulher que transforma vidas através da culinária e fortalece o empreendedorismo feminino
Foto: Luciana Gois |Portal A8SE

Um estudo realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que mulheres comandam 34% dos negócios em Sergipe, o que representa cerca de 105,5 mil mulheres à frente de uma empresa, sejam aquelas que trabalham por conta própria ou as que contam com empregados em seus estabelecimentos. O percentual coloca o estado como o décimo no ranking nacional e o quinto no Nordeste em termos percentuais de empreendedorismo feminino. Neste contexto é que se encaixa dona Vera Maria Gomes que produz os famosos bricelets do município de São Cristóvão - o quarto mais antigo do país.

O empreendedorismo da vida de Vera começou na década de 90, ainda quando fazia parte do orfanato administrado pelas freiras da congregação Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus. “Entrei como semi-interna, acho que tinha uns 18 anos. Depois de três meses, fiquei como voluntária e assim por sete anos. Nesse período, chegaram as máquinas dos bricelets, e comecei a fazer com as irmãs, que era para manter as meninas no orfanato. Vendemos muitos e passaram a ser conhecidos como os ‘biscoitos das freiras’, como é até hoje. Anos depois, mesmo com as ajudas e vendas dos bricelets, não estava dando para manter a instituição e aí as irmãs doaram as máquinas aos funcionários. Os outros foram embora, ficou eu e Manoel [esposo dela]”, pontua Vera.

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Cada pacote de bricelets custa R$ 6 |Foto: Luzia Teles

De lá para cá, o casal não parou a produção dos bricelets, que inicia por volta das 8h e segue até às 17h. Até o final do dia, de domingo a domingo, são fabricados cerca de 150 pacotes, o que corresponde a 750 unidades, já que cada sacolinha comporta cinco. Os biscoitos caseiros de origem suíça trazem na receita ovos, farinha de trigo, leite, laranja, limão e açúcar. Além do sabor, o produto é marcado pela história e tradição, já que a rotina se assemelha à época do orfanato.

Vera e Manoel adotaram uma menina. Os três integrantes são os responsáveis pelas vendas, mas é a empreendedora que comanda todo o processo. Os bricelets são hoje reconhecidos na identidade sergipana como Patrimônio Cultural e Imaterial do estado.

Mantemos e queremos continuar essa tradição aqui em São Cristóvão. Aqui, todo mundo faz a mesma coisa, todo mundo ajuda. Quando um não pode fazer entrega, o outro pode. Quando não se pode fazer biscoito, o outro faz”

salienta.

Para que a história não pare de ser contada, dona Vera passa a tradição em gerações. Como contamos, a filha já faz parte da empresa, mas a empreendedora também compartilhou a receita para as mulheres da própria família. “Sempre falo que não conto o segredo, mas é só para descontrair. Já ensinei a minha filha, irmã, cunhada, minhas sobrinhas, até minha neta pequeninha está no ritmo. Todo mundo sabe a receita, caso algum dia eu não possa mais fazer, terá alguém que não vai deixar a tradição acabar”, fala.

O saber empreender

Quando começou o comércio dos biscoitos, Vera não tinha especializações que auxiliassem na organização do negócio, as decisões eram tomadas conforme a experiência, o que dificultou no início. Foi a partir daí que ela buscou apoio para entender como funciona o empreendedorismo. “Quando comecei era diferente, a gente começou do nada, e o Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] nos ajudou, nos dando cursos. Aprendi que não podemos nos precipitar, para manter a venda estável. Com ajuda do Sebrae aprendi a empreender. Hoje me acho uma boa empreendedora, consigo manter meu negócio”, aponta.

Com conhecimento e força de vontade, Vera passou a fornecer o produto. Ela vende para restaurantes da capital sergipana, além de trabalhar por encomendas. A sede da Casa dos Bricelets fica localizada na região central do município, bem próximo à Praça São Francisco, onde concentra grande parte dos pontos turísticos de São Cristóvão e facilita na venda do produto. Uma filial também foi montada na entrada da cidade. “Já enviei para São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, e os turistas já levaram para fora do país. Inclusive lá fora tem os bricelets, mas não é o mesmo sabor”, lembra.

Desafios de empreender

Como nem sempre as coisas são fáceis, Vera já se viu sem chão. Por diversos momentos passou por crises no negócio, a maior e mais recente foi a pandemia, quando precisou fechar as portas do estabelecimento e parou a produção por um período. “Não dava para pagar aluguel e tudo. De todos, esse foi o pior momento. A gente tinha medo de receber as pessoas e as pessoas tinham medo de vim, porque manuseamos o alimento, então todo mundo ficou com medo. Foi uma guerra para gente, algo que nunca passamos. Nossa sorte é que Sergipe tem muita gente do bem. Eu colocava no Instagram e as pessoas pagavam e só vinham pegar meses depois. Foi assim que consegui continuar na casa”, revela.

Segundo o gerente estadual do Crediamigo do Banco do Nordeste (BNB), Ricardo Osório, no período pandêmico foi registrada uma maior busca por créditos na instituição bancária. “Houve um aumento, já que o BNB continuou financiando os empreendedores durante a pandemia, diferentemente dos outros bancos, que de modo geral reduziram a destinação de recursos”, destaca.

Ainda, para incentivar atividades produtivas de empreendedoras formais e informais, o BNB criou o Crediamigo Delas. “É específico para as empreendedoras. Trata-se de um produto com taxa menor e carência maior, voltado exclusivamente para as mulheres”, conta.

De acordo com o levantamento feito pelo Sebrae, no estado sergipano, quando a mulher decide empreender, grande parte (44%) busca como renda complementar ou por estar desempregada. O principal setor de investimento é o de serviços (41% do total, sendo que 24% nas áreas de alimentação e alojamento). A dupla jornada também é fator impactante na rotina das empreendedoras, já que muitas precisam conciliar com os cuidados de casa e da família, já que 49% são chefes de domicílio.

Mesmo diante da dificuldade, a palavra de ordem na vida de Vera é perseverar. “Nunca pensei em desistir, sempre fui a cabeça do projeto, mas tive o apoio de outras pessoas que me ajudaram de várias formas diferentes. Passei a fazer pouco, diminuía. Pensamos em sair de casa, mas jamais desistir. No final do túnel víamos uma luz e sabíamos que isso iria melhorar”, expressa Vera.

Mulheres faturam menos do que homens

O levantamento do Sebrae mostra que 58% das empreendedoras sergipanas desempenham a posição de “chefe de domicílio”. O percentual é bem superior à média nacional, que é de 51%, e coloca o estado como o primeiro do Nordeste no ranking.

Ainda é possível constatar no estudo, que no quesito empreendedorismo, as mulheres são mais escolarizadas que os homens, 19% delas possuem nível superior (17% entre os homens). Apesar disso, os empreendedores homens têm um rendimento mensal 14,4% acima das mulheres (R$ 1973 contra R$ 1.725 recebido pelas empreendedoras).

Em entrevista concedida ao portal do Sebrae, a superintendente do órgão, Priscila Felizola, reforça a necessidade do estado desenvolver políticas públicas que estimulem o ingresso de mulheres na atividade empreendedora e que assegurem melhor remuneração para as donas de negócios. “Apesar da evolução do nível de ensino das mulheres, a disparidade da remuneração em comparação com os homens persiste. Essa mudança passa pela ampliação da presença das mulheres nos segmentos mais qualificados e com melhor nível de faturamento. Mesmo que a proporção de mulheres com formação superior seja maior que a dos homens, elas continuam com um rendimento inferior ao deles”, enfatiza.

O negócio como mudança de vida

Números mais recentes do Sebrae mostram que apesar de ter registrado uma queda, em 2021, quando comparado ao ano anterior, empreender ainda está entre os três maiores sonhos dos brasileiros. No topo da lista aparece “viajar pelo Brasil”, com 49,9%, seguido de “comprar a casa própria”, com 47,8%, e, em terceira posição, “ter o próprio negócio” (46,2%).

“O bricelet é nossa única fonte de renda hoje em dia. É com ele que sustento minha família e sou muito grata a Deus por isso. Tenho muita gratidão a quem vem aqui e compra, nos ajudando a manter a tradição e nos manter”, finaliza.

Conheça a Casa dos Bricelets e confira imagens da produção do produto no vídeo abaixo:

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