Economia e Inovação

Por: Sudanês B. Pereira

Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.

Transformação Digital na União Europeia - 55% das PMEs possuem Nível Básico de Intensidade Digital

15/09/2022
Imagem de rawpixel.com no Freepik

As tecnologias digitais permeiam quase todas as esferas da nossa vida. Elas transformam modelos de negócios, empregos e produção, e estimulam o crescimento e a inovação. A pandemia de Covid-19 aumentou ainda mais a transformação digital, destacando seu potencial para a sociedade e a economia. Em decorrência dessa aceleração, os países começaram a traçar suas estratégias de transformação digital.

Em particular, a União Europeia (UE) tem uma estratégia bem definida de transformação digital. O artigo dessa semana tem como fonte a pesquisa “Towards Digital Decade - Targets for Europe”, do Eurostat. Os dados apresentados nesse documento, tem como base os resultados da pesquisa do Eurostat sobre a utilização das TIC pelas famílias e por indivíduos, e sobre a utilização das TIC e o comércio eletrônico nas empresas.

Um Estrato da Estratégia Digital da União Europeia

A transformação digital está no topo da agenda política europeia, sendo uma das principais prioridades políticas da Comissão Europeia para os próximos anos.

Nesse sentido, a Comissão apresentou o programa “Década Digital da Europa: objetivos digitais para 2030”, que é a sua visão para uma Europa digitalmente capacitada até 2030. O intuito é preparar a UE para a transformação digital dos setores público e privado, e a inclusão digital da população.

O programa possui uma estrutura de governaça conjunta com os Estados-Membros, com base em um sistema de monitoramento com relatórios anuais, sob a forma de semáforos. Esse sistema, será baseado no The Digital Economy and Society Index (DESI), ou Índice de Economia e Sociedade Digital (DESI).

Para ilustrar essa agenda, a Comissão utilizou a figura de uma “bússola digital” em torno de quatro pontos fundamentais para traduzir, em termos concretos, as ambições digitais da União Europeia (UE) para 2030. Os pontos fundamentais são: habilidades, infraestruturas, negócios, governo. A figura abaixo ilustra a estratégia com os quatro pontos da Bússola Digital e algumas ações que considero significativas e vinculadas a cada pontos da Bússola.

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Bússola Digital
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Quatro Pontos da Bússola Digital

A União Europeia tem o grande objetivo de se tornar um modelo global para a economia digital, desenvolver padrões digitais e promovê-los internacionalmente, apoiando, inclusive as economias em desenvolvimento a se tornarem digitais.

O Desafio da Transformação Digital dos Negócios na Europa

O documento do Eurostat traz dados e informações sobre como as empresas da EU estão utilizando as tecnologias digitais, considerando o tamanho das empresas e os segmentos de atividade econômica. Os resultados mais significativos são discutidos a seguir.

Tecnologia e Negócios - Computação em Nuvem

A computação em nuvem oferece às empresas a oportunidade de acessar recursos de computação hospedados por terceiros na internet, em vez de construir ou expandir sua própria infraestrutura de TI, o que incluiria hardware e envolveria o desenvolvimento e manutenção de aplicativos de software e bancos de dados.

Em 2021, 41% das empresas da UE relataram que compraram serviços de computação em nuvem, 34% abaixo da meta de 75% estabelecida na Bússola Digital. As maiores parcelas de usuários da nuvem estavam na Suécia e na Finlândia (ambos 75%), seguidas pelos Países Baixos e pela Dinamarca (ambos 65%). Em 14 Estados-Membros, as parcelas de empresas que usam computação em nuvem estavam abaixo da média da UE, com as proporções mais baixas registradas na Bulgária (13 %) e na Romênia (14%) (gráfico 1).

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Gráfico 1 - União Europeia: Empresas que usam serviços de computação em nuvem, 2021. (% das empresas)

Outras informações interessantes em relação a esse tópico é a de que, entre as empresas da UE que relataram usar computação em nuvem, 79% dependiam de uma solução em nuvem para seus e-mails, em vez de configurar uma infraestrutura de servidor para seu sistema de e-mail. Mais de duas em cada três empresas (66%) que usam a nuvem, a usaram para armazenamento de arquivos.

Das empresas que compraram serviços em nuvem, 61% relataram usar software de escritório como um serviço em nuvem (por exemplo, processadores de texto, planilhas), 58% usaram aplicativos de software de segurança como serviço em nuvem e 46% o usaram para hospedar seu banco de dados.

Tecnologia e Negócios – Inteligência Artificial

Sabemos que a inteligência artificial (IA) pode trazer muitos benefícios para as empresas, como melhorar a tomada de decisão, ganhos de produtividade ou eficiência, gerenciamento otimizado entre outros benefícios. Os sistemas de IA podem ser baseados em software (software de reconhecimento de imagem, assistentes virtuais, sistemas de reconhecimento de fala e rosto) ou incorporados em dispositivos (por exemplo, robôs autônomos, veículos autônomos, drones).

De acordo com o paper da Eurostat, em 2021, 8% das empresas da UE utilizaram pelo menos uma tecnologia de IA - de mineração de texto, reconhecimento de voz, geração de linguagem natural, reconhecimento ou processamento de imagens, aprendizagem automática (incluindo deep learning) para análise de dados.

O caminho ainda é longo, restam 67% para atingir os 75% das empresas utilizando pelo menos uma tecnologia de IA, definida na Bússola Digital. O percentual mais avançado de empresas que utilizam IA foi registada na Dinamarca (24%), seguido de Portugal (17%) e Finlândia (16%), enquanto percentuais mais baixas foram registadas na Roménia (1%), Bulgária, Estónia, Chipre, Hungria e Polônia (todos 3%). Ver o gráfico 2.

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Gráfico 2 - União Europeia: Empresas que usam tecnologias de IA, 2021 (% de empresas)

Os dados também mostram que a absorção de IA varia de acordo com o tamanho das empresas. A maior proporção de usuários de IA foi registrada entre as grandes empresas (28%), seguidas pelas médias empresas (13 %) e pequenas (6 %). Em 2021, as tecnologias de IA mais usadas foram tecnologias que automatizam vários fluxos de trabalho ou auxiliam na tomada de decisões, aprendizado da máquina para análise de dados e tecnologias que analisam linguagem escrita (ou seja, mineração de texto), cada uma foi usada por 3% das empresas.

As tecnologias de IA que identificam objetos ou pessoas com base em imagens (reconhecimento de imagem, processamento de imagem) e tecnologias que convertem a linguagem falada em um formato legível (reconhecimento de fala), foram usadas por 2% das empresas. As tecnologias que permitem que as máquinas se movam fisicamente, observando seu entorno e tomando decisões autônomas (por exemplo, veículos autônomos), foram usadas por 1% das empresas.

As diferentes tecnologias de IA foram usadas muito mais por grandes empresas do que por médias ou pequenas (gráfico 3).

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Gráfico 3 - União Europeia: Empresas que usam tecnologias de IA, por tipo de tecnologia de IA e tamanho da empresa, 2021 (% de empresas)

Tecnologia e Negócios – Big Data

Os ambientes de negócios hoje são cada vez mais intensivos em dados. As empresas podem se beneficiar muito da análise de grandes conjuntos de vários dados existentes em seus próprios sistemas, ou em outras fontes de dados, por exemplo, obtendo melhores insights dos clientes, melhorando as operações de negócios, fortalecendo seu gerenciamento da cadeia de suprimentos ou aumentando a inovação.

De acordo com o paper, em 2020, 14% das empresas da UE relataram que realizaram análises de big data (de qualquer fonte de dados) ou tiveram outra empresa ou organização que realizaram análises de big data para elas. De acordo com o estabelecido pela Bússola Digital, a meta é de 75% das empresas, ou seja, ainda tem um longo caminho.

As maiores parcelas de empresas que tentam se beneficiar da análise de big data foram registradas em Malta (30%), Dinamarca e Holanda (ambos 27%). As proporções mais baixas de empresas que analisam big data interna ou externamente estão na Romênia (5%) e na Eslováquia, Chipre e Bulgária (todos 6%). Ver o gráfico 4.

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Gráfico 4 - União Europeia: Empresas que usam análise de big data, 2019 (% de empresas)

Segundo o paper, as fontes de dados mais usadas para realizar análises de big data foram dados de geolocalização a partir da utilização de dispositivos portáteis (usando redes de telefonia móvel, conexões sem fio ou GPS) e dados gerados a partir de mídias sociais (redes sociais, blogs, sites de compartilhamento de conteúdo multimídia), ambos usados por 7% das empresas da EU.

Cerca de 3% das empresas utilizaram dados de dispositivos inteligentes ou sensores digitais, e etiquetas de identificação por radiofrequência; e 3 % utilizaram outras fontes de dados para realizar análises de big data.

A Intensidade Digital das Empresas da União Europeia

A adoção de tecnologias digitais pelas empresas tem o potencial de melhorar serviços e produtos, além de aumentar a competitividade.

O grau de digitalização das empresas da UE é medido pelo Índice de Intensidade Digital (DII), que mede o uso de diferentes tecnologias digitais pelas empresas. Sua pontuação (0-12) é determinada por quantas das 12 tecnologias digitais selecionadas são usadas pelas empresas. Quanto maior a pontuação, maior a intensidade digital do negócio, variando de muito baixa (0-3 tecnologias utilizadas), passando por baixa (4-6), alta (7-9) a muito alta (10-12).

De acordo com um dos objetivos da visão da UE para a década da transformação digital, mais de 90% das pequenas e médias empresas (PME) devem atingir, pelo menos, um nível básico de intensidade digital até 2030. O nível básico implica no uso de, pelo menos, quatro das tecnologias selecionadas e inclui negócios com DII baixo, alto e muito alto. A pesquisa mostra que, em 2021, 55% das PMEs atingiram um nível básico de intensidade digital, 35% abaixo da ambição definida na Bússola Digital para 2030. Grande parte das PMEs, tinham uma intensidade digital muito baixa (45%).

Considerando todas as empresas da UE, 56% atingiram um nível básico de intensidade digital, em comparação com 88% das grandes empresas. Cerca de 73% das médias e 52% das pequenas empresas tinham um nível básico de intensidade digital. Ver o gráfico 5.

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Gráfico 5 - União Europeia: Intensidade digital das empresas, por tamanho das empresas, 2021. (% de empresas)

O estudo mostrou que o uso de diferentes tecnologias digitais e, consequentemente, o nível de intensidade digital das empresas, dependem em grande parte de sua atividade econômica. De acordo com o Eurostat, em 2021 a parte mais digitalmente intensiva da economia da EU, incluía as empresas ativas no setor da informação e comunicação, onde 90% das empresas atingiram um nível básico de intensidade digital.

Para além do setor de informação e comunicação, cinco outros setores tinham quotas de empresas com uma intensidade digital superior à média da UE de 56%. Estes setores foram alojamento (hospedagem) (78%), atividades profissionais, científicas e técnicas (71%), atividades imobiliárias (65%), comércio varejista e atacadista; reparação de veículos e motos (64%). As maiores proporções de empresas com uma intensidade digital muito baixa foram registradas no setor da construção (62%) e nas atividades de transporte e armazenamento (56%). Ver o gráfico 6.

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Gráfico 6 - União Europeia: Intensidade digital das empresas, por atividade econômica, 2021. (% de empresas)

Algumas Considerações

A transformação digital na Europa é descrita como abrangendo infraestruturas digitais seguras e sustentáveis (incluindo conectividade), competências (desde competências digitais básicas a especialistas em TIC), digitalização de serviços públicos e transformação digital de empresas. A dimensão territorial da transformação digital é evidente em todos esses componentes.

Uma das seis prioridades da Comissão para o período 2019-2024 é uma Europa adequada a era digital. Para isso, construiu uma estratégia sob três pilares: (1) tecnologia que trabalha para as pessoas; (2) uma economia digital justa e competitiva; e (3) uma sociedade aberta, democrática e sustentável. Além disso, uma visão muito concreta da transformação digital da UE e as metas para 2030, definidas pela Bússola Digital para a Década Digital da UE.

Os dados do Eurostat revelam informações extremamente importantes sobre a dimensão dos desafios que a UE tem pela frente em relação à transformação digital das empresas. Essa estratégia é inspiradora para o Brasil, até mesmo para realidades locais.

Não custa lembrar que a transformação digital das empresas dependerá de sua capacidade de adotar novas tecnologias de forma rápida. Assim como no Brasil, as PMEs na Europa desempenham um papel central, não só porque representam a maior parte das empresas da UE, mas também porque são uma fonte de inovação. Pensar a transformação digital das empresas é um passo fundamental para dar competitividade para as economias.

Importante pensar a transformação digital das empresas no Brasil: 1. O que as empresas brasileiras “consomem” de tecnologia? 2. As empresas utilizam as tecnologias digitais em que áreas? 3. Qual a intensidade digital das nossas empresas? 4. Temos uma estratégia de transformação digital das empresas? 4. Qual a nossa agenda?

Sugestões/Links: Towards Digital Decade targets for Europe - The Digital Economy and Society Index (DESI) Europe’s Digital Decade: digital targets for 2030

Boa semana!