Economia e Inovação

Por: Sudanês B. Pereira

Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.

Subsídios para combustíveis fósseis, agricultura e pesca estão degradando o planeta e as economias

04/07/2023
Imagem de pikisuperstar no Freepik

Um novo relatório do Banco Mundial examina os impactos dos subsídios no estoque mundial de capital natural fundamental - ar, terra e oceanos. Esses ativos naturais são essenciais para a saúde e nutrição humana, além de sustentar grande parte da economia. Mas, subsídios para combustíveis fósseis, agricultura e pesca estão impulsionando a degradação desses ativos e prejudicando as pessoas, o planeta e as economias. Esse dinheiro – trilhões de US$ - poderia ser usado para financiar ações climáticas necessárias em vários países do mundo.

A má qualidade do ar é responsável por aproximadamente uma em cada cinco mortes no mundo, e uma quantidade significativa dessas mortes pode ser atribuída aos subsídios aos combustíveis fósseis.

A agricultura é o maior usuário de terra em todo o mundo, alimentando o mundo e empregando 1 bilhão de pessoas, incluindo 78% dos pobres do mundo. Mas a agricultura é subsidiada de maneiras que promovem ineficiência, desigualdade e insustentabilidade.

Os oceanos, que sustentam a pesca mundial e abastecem cerca de 3 bilhões de pessoas com quase 20% de sua ingestão de proteínas de origem animal, estão em um estado coletivo de crise, com mais de 34% da pesca sendo sobreexplorada. Esta crise é exacerbada por regimes de acesso aberto e subsídios para aumentar a capacidade.

Para cada um desses setores críticos, o relatório tenta responder às seguintes perguntas: 1. Qual é a magnitude dos subsídios totais no espaço de recursos naturais? 2. Quais são os impactos desses subsídios na equidade, na eficiência e no meio ambiente, e quais são os ganhos de reformá-los ou eliminá-los totalmente? 3. Como os governos podem reformar, redirecionar ou eliminar subsídios de forma sustentável e politicamente viável?

O relatório “Detox Development: Repurposing Environmentally Harmful Subsidies” revela que as despesas diretas globais de governo nos três setores são de $ 1,25 trilhão por ano. Para subsidiar o consumo de combustíveis fósseis, os países gastam cerca de seis vezes o que prometeram mobilizar anualmente sob o Acordo de Paris para energias renováveis e desenvolvimento de baixo carbono.

Sobre Subsídios

Não existe uma definição universalmente aceita de subsídio. Organizações específicas, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou a Organização Mundial do Comércio (OMC), usam definições que se alinham com seus objetivos políticos específicos. Por exemplo, a definição da OMC é restrita e contém três elementos básicos: (i) uma contribuição financeira (ii) por um governo ou qualquer órgão público dentro do território de um Membro (iii) que confere um benefício. Todos esses três elementos devem ser satisfeitos para que um subsídio exista no jargão jurídico da OMC.

A economia, no entanto, admite uma gama muito mais ampla de definições que podem incluir apoio político não financeiro (por exemplo, conceder acesso gratuito a um recurso ou favorecer uma empresa ou setor em detrimento de outro), bem como apoio financeiro.

De fato, diferentes tipos de gastos e políticas (e a falta deles) podem, em momentos diferentes, ser considerados subsídios, provisão de bens públicos, políticas ambientais ou redes de segurança social.

Os subsídios são ferramentas importantes que os governos podem usar para encorajar alguns setores, apoiar indústrias ou atingir objetivos específicos relacionados à eficiência econômica ou equidade. Mas também podem causar distorções ao reduzir a eficiência econômica e exacerbar as externalidades negativas.

O Tamanho Global dos Subsídios

Os dados do relatório são alarmantes. É fundamental e urgente repensar o modelo de desenvolvimento econômico no mundo.

De acordo com o relatório, a magnitude dos subsídios para combustíveis fósseis, agricultura e pesca combinados é vasta e provavelmente excede US$ 7 trilhões por ano em subsídios explícitos e implícitos – ou aproximadamente 8% do produto interno bruto (PIB) global. Subsídios explícitos são gastos fiscais diretos de governos ou contribuintes para produtores ou consumidores. Esses subsídios explícitos totalizam aproximadamente US$ 1,25 trilhão – algo como o tamanho da economia do México. Desses subsídios explícitos, os subsídios aos combustíveis fósseis representam cerca de US$ 577 bilhões por ano. Em comparação, sob o Acordo de Paris sobre Mudança Climática, os governos se comprometeram a arrecadar US$ 100 bilhões anualmente em financiamento climático – apenas um quinto do que gastam para abastecer os combustíveis fósseis.

Os subsídios agrícolas são da ordem de US$ 635 bilhões por ano, aproximadamente 0,9% do PIB e 18% do valor agregado agrícola para os 84 países. Mais de 60% desse valor é na forma de apoio acoplado, que de acordo com o relatório, distorce as decisões dos produtores e leva a impactos ambientais e econômicos prejudiciais.

Os subsídios globais à pesca são estimados em cerca de US$ 35 bilhões por ano. Desse montante, US$ 22 bilhões são identificados como subsídios nocivos que podem levar ao excesso de capacidade e à sobrepesca, muitas vezes em águas internacionais ou nas zonas econômicas exclusivas (ZEEs) de países costeiros de baixa renda.

O relatório diz que, "embora os subsídios explícitos sejam grandes, os subsídios implícitos, que medem os impactos de externalidades não corrigidas, são ainda maiores e representam alguns dos problemas ambientais mais desafiadores da atualidade".

Os subsídios implícitos para combustíveis fósseis totalizaram cerca de US$ 5,4 trilhões em 2020, mais de 6% do PIB global, com os impactos da poluição do ar local e da mudança climática global constituindo mais de 75% do total.

Para a agricultura, os subsídios implícitos são mais difíceis de estimar. O total de gases de efeito estufa da agricultura é de aproximadamente 6,8 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente por ano, ou cerca de US$ 272 bilhões a US$ 544 bilhões em danos externos que não são internalizados pelos produtores ou consumidores de produtos agrícolas. O relatório cita estudos que estimam que os danos ambientais da agricultura excedam US$ 3,1 trilhões por ano, divididos quase igualmente entre danos de gases de efeito estufa e custos devido à destruição de capital natural, como degradação da terra e da água.

Para a pesca, o maior subsídio implícito é a falta de regulamentação para prevenir a sobrepesca. As estimativas sugerem que a falta de regulamentação resulta em benefícios econômicos perdidos de US$ 83 bilhões por ano, representando um subsídio implícito de quase 20% do tamanho do setor total. Essas estimativas estão resumidas na tabela 1.

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Tab.1. Estimativas de subsídios anuais explícitos e implícitos, por setor

Além disso, o relatório revela novas descobertas sobre questões importantes, a exemplo de: a) novas evidências sobre os efeitos das mudanças nos preços das commodities na perda de florestas tropicais, b) as respostas dos rendimentos agrícolas ao uso de fertilizantes entre países e regiões, c) a distribuição da incidência da poluição do ar entre os países e algumas das consequências ocultas de energia do carvão.

Os Combustíveis Fósseis, a Poluição do Ar e os Subsídios

O relatório mostrou uma análise interessante para entender a escala dos subsídios aos combustíveis fósseis pagos, e comparou os números com os compromissos internacionais de apoiar tecnologias limpas e descarbonização.

Por exemplo, sob o Acordo de Paris sobre Mudança Climática, os governos se comprometeram a arrecadar US$ 100 bilhões anualmente em financiamento climático – apenas um quinto do que gastam para abastecer os combustíveis fósseis. Da mesma forma, um estudo da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA 2020) estima que, de todos os subsídios globais ao setor de energia, apenas 26% (cerca de US$ 166 bilhões) foram para apoiar a energia renovável em 2018 (figura abaixo). A grande maioria, cerca de 71%, eram subsídios explícitos aos combustíveis fósseis. Em suma, os subsídios para combustíveis fósseis superam os disponíveis para energia renovável.

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Fig. 1. Subsídios Globais ao Setor de Energia, 2018

A Figura 2 apresenta os 20 maiores fornecedores de subsídios ao consumo de combustíveis fósseis em 2020. Os cinco maiores fornecedores de subsídios - Índia, Irã, Russia, Arábia Saudita e Venezuela - juntos respondem por US$ 211 bilhões de pagamentos de subsídios em 2020, equivalente a quase metade dos subsídios explícitos globais.

Segundo o relatório, em um cenário de negócios “business-as-usual” - isto é, se os atuais programas de subsídios não forem reformados - os subsídios aos combustíveis fósseis devem ficar em torno de US$ 560 bilhões em 2025.

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Fig. 2. Os 20 principais programas explícitos de subsídios a combustíveis fósseis, 2020

A Figura 3 ilustra os 20 maiores fornecedores de subsídios implícitos aos combustíveis fósseis em 2020. Quase metade dos subsídios implícitos globais vem da China, Índia, Rússia e Estados Unidos. Em um cenário de negócios “business-as-usual”, o crescimento econômico contínuo e seu consumo de energia associado podem significar que os subsídios implícitos chegarão a mais de US$ 7 trilhões até 2025.

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Fig. 3. Os 20 principais fornecedores de subsídios implícitos a combustíveis fósseis, 2020

A Necessária Reforma dos Subsídios

Sabemos que os programas de subsídios – independentemente de serem para o setor de energia, agricultura ou pesca – geralmente são resultados de políticas bem-intencionadas com objetivos de desenvolvimento definidos. Eles geralmente visam promover a produtividade e a competitividade de determinados setores ou apoiar grupos de baixa renda. A Tabela 2 fornece uma visão geral detalhada dos objetivos políticos comuns de subsídios em diferentes setores. Como a tabela destaca, os subsídios podem ter uma série de consequências não intencionais, de modo que podem exacerbar as desigualdades, ineficiências e degradação ambiental.

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Tab. 2. Programas de subsídios: objetivos versus realidade comum

Mesmo quando os programas de subsídios são inicialmente implementados de forma eficiente, não é incomum que o propósito original de tais programas se perca ao longo do tempo, à medida que o setor, a economia ou os grupos de interesse se ajustam à nova norma criada por um subsídio.

De fato, muitos programas de subsídios estão associados a externalidades ambientais, distributivas ou econômicas adversas, que se consolidam com o tempo. Por essas razões, uma reavaliação constante e minuciosa dos programas de subsídios é fundamental para garantir que seus objetivos permaneçam relevantes e continuem a ser alcançados. As evidências de diferentes setores apresentadas no relatório mostram que os subsídios podem prejudicar os próprios objetivos políticos que pretendem alcançar.

As Conclusões e Recomendações

O mundo hoje é confrontado por dois grandes desequilíbrios que são agravados pela escala e desenho de subsídios prejudiciais ao meio ambiente.

O primeiro grande desequilíbrio é o rápido declínio do capital natural. Ar, terra e oceanos – os principais ativos de capital natural que são essenciais para a vida e a economia – estão sendo usados de forma insustentável, degradados e destruídos em um ritmo acelerado. Essa situação é em grande parte consequência de sua natureza de acesso aberto e comum, que motiva produtores e consumidores a consumir e degradar, ao mesmo tempo em que não incentiva ninguém a cuidar dos recursos e garantir sua sustentabilidade.

O déficit de capital natural é acompanhado por um segundo grande desequilíbrio: o aumento da dívida e dos déficits do setor público. Em 2020, a dívida global total atingiu 263% do produto interno bruto (PIB), seu nível mais alto em meio século. Nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento, o aumento da dívida é particularmente preocupante.

Portanto, o desafio para os governos é (1) encontrar maneiras de tornar os subsídios mais benignos e talvez até benéficos, (2) reduzir seu tamanho e (3) encorajar investimentos do setor privado para restaurar e reverter o declínio dos ativos de capital natural.

O relatório mostrou que os subsídios atuais para combustíveis, agricultura e pesca muitas vezes não têm nenhuma dessas características desejáveis. Os subsídios promovem e toleram atividades insustentáveis que muitas vezes são regressivas em seus impactos.

Em todos os três setores examinados, descobriu-se que os subsídios promovem a ineficiência. Os subsídios aos combustíveis poluentes e aos setores responsáveis pelas mudanças climáticas e pela mortalidade prematura são cinco vezes maiores do que os gastos públicos com alternativas mais limpas.

¡Excelente semana!