Economia e Inovação

Por: Sudanês B. Pereira

Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.

Os Novos Fluxos Globais e a Integração da Economia

14/11/2023

Alguns movimentos da economia, incluindo aí a pandemia da covid-19, a invasão da Rússia à Ucrânia, a tensão entre os EUA e a China, sugere que nós fomos inundados por especulações sobre a desglobalização da economia. Mas as evidências sugerem que a integração global veio para ficar, pelo menos é o que mostra o paper do Instituto Global McKinsey (IGM),”Global flows: The ties that bind in an interconnected world”.

O que podemos estar enxergando no momento é uma mudança na economia global, dado que é a natureza do capitalismo que está em transformação.

A Economia e a Interconexão dos Fluxos

Vivemos em um mundo conectado por fluxos globais de bens, serviços, capital, pessoas, dados e ideias. Cadeias de valor globais foram construídas com base nesses fluxos. A nova análise do IGM encontra um mundo profundamente interconectado.

O estudo oferece uma visão dos fluxos que impulsionam a integração global e teve como base uma avaliação abrangente do comércio (30 cadeias de valor globais que abrangem recursos, bens manufaturados e serviços), fluxos de capital, pessoas e intangíveis, bem como uma análise de cerca de 6.000 produtos negociados globalmente.

Evidência 1: os fluxos ligados ao conhecimento e ao know-how estão impulsionando a integração global

Os fluxos de comércio, pessoas, capital e dados unem o mundo. Na última década, novos fluxos ligados ao conhecimento e ao know-how vieram à tona.

Segundo o estudo, o crescimento dos fluxos globais agora está sendo impulsionado por intangíveis, serviços e talentos. O comércio de mercadorias, como parte da economia global, se estabilizou por volta de 2008, após 30 anos de rápida expansão. Os fluxos de serviços, estudantes internacionais e propriedade intelectual cresceram cerca de duas vezes mais rápido do que os fluxos de mercadorias entre 2010-19. Dentro dos serviços, os fluxos de serviços intensivos em conhecimento - incluindo serviços profissionais, serviços governamentais, serviços de TI e telecomunicações - estão crescendo mais rapidamente.

Não obstante a interrupção causada pela pandemia de Covid-19, a maioria dos fluxos globais continuou crescendo - ou até mesmo acelerar - entre 2020 e 2021. No geral, o estudo mostra que os fluxos de intangíveis, comércio e capital aumentaram. Os fluxos de dados atingiram máximos de todos os tempos e, crucialmente, permitiram o trabalho remoto e a operação de negócios em um momento em que as viagens eram em grande parte impossíveis.

O comércio de produtos manufaturados permitiu que as regiões mantivessem o consumo enquanto. As cadeias de suprimentos asiáticas conseguiram superar a queda na produção das cadeias de suprimentos ocidentais em 2020. O comércio de produtos manufaturados atingiu um recorde em 2021 (ver a figura 1). Os dados da pesquisa revelam que os fluxos de dados cresceram quase 50% ao ano.

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Fig. 1. A Integração Global e os fluxos de bens intangíveis, serviços e estudantes

Evidência 2: nenhuma região está perto de ser autossuficiente

O estudo mostrou que cada região tem importado 25% ou mais (em termos de valor agregado) de pelo menos um tipo importante de recurso ou bem fabricado de que precisa, e muitas vezes muito mais. Vejam o que o estudo mapeou.

[1] A Ásia-Pacífico, incluindo a China, é a principal exportadora global de fabricação em geral e a maior fornecedora de eletrônicos, mas importa mais de 25% de suas necessidades de recursos energéticos, bem como bens intermediários críticos. A China também importa mais de 25% de suas necessidades minerais; os maiores corredores de minerais do mundo partem da Austrália, Brasil, Chile e África do Sul para fornecer os insumos para o centro de fabricação da China. A Europa e a América do Norte fornecem grande parte das máquinas avançadas e do know-how intangível que suporta a produção de eletrônicos avançados, como semicondutores.

[2] A Europa 30 também é uma forte região de fabricação, mas importa mais de 50% de suas necessidades de recursos energéticos. Antes de 2022, a maior fonte de importação de recursos energéticos da Europa 30 era a Rússia. A Europa também depende de outros para insumos específicos para sua fabricação. Por exemplo, embora a Europe 30 seja um exportador líquido significativo de produtos farmacêuticos, depende da Ásia-Pacífico para insumos cruciais de ingredientes farmacêuticos ativos.

[3] Regiões ricas em recursos, como Europa Oriental e Ásia Central, América Latina, Oriente Médio e Norte da África (MENA) e África Subsaariana, tendem a ser importadores líquidos de bens e serviços manufaturados. Essas regiões importam produtos manufaturados igualmente da Ásia-Pacífico e da Europa 30. A Ásia-Pacífico é o maior parceiro dessas regiões para fluxos de eletrônicos, têxteis e metais básicos, enquanto a Europa 30 é o maior parceiro para produtos farmacêuticos e máquinas. Na América Latina, o Brasil e a Argentina são dois dos maiores exportadores de grãos do mundo, mas dependem de fluxos de fertilizantes do resto do mundo. Eles têm adquirido mais de 50% de suas importações de potássio da Rússia e da Bielorrússia.

[4] A América do Norte é um importador líquido de produtos manufaturados e recursos minerais e a Ásia-Pacífico é seu principal parceiro para ambos. A América do Norte importa cerca de 15% de suas necessidades de consumo de eletrônicos, e a Ásia-Pacífico é responsável por cerca de 85% dessas importações, divididas aproximadamente entre a China e outras economias da região. A dependência da América do Norte das importações de minerais é ainda mais agravante. Por exemplo, os Estados Unidos importam mais de 70% de suas necessidades de consumo para mais de 30 commodities minerais.

Vejam a figura 2 logo abaixo com esses fluxos comerciais.

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Fig. 2. Parcela do consumo interno atendida por influxos, 2019 (%)

Evidência 3: Produtos cujas origens estão concentradas em apenas algumas geografias existem em todos os setores

A concentração em economia geralmente reflete a especialização que permite ganhos de eficiência. No entanto, a interrupção dos fluxos comerciais concentrados pode ser particularmente ruim e perigosa quando eles são mais difíceis de substituir a curto prazo.

A análise da MGI de cerca de 6.000 produtos comercializados globalmente (incluindo recursos e produtos manufaturados) sugere que produtos cujas origens estão concentradas em poucas geografias são encontrados em todos os setores e regiões e em todas as etapas do processo de produção.

O estudo revelou que alguns produtos são fornecidos por apenas alguns lugares ao redor do mundo - “hotspots de concentração global”. Estes representam uma pequena, mas importante parcela do comércio global - menos de 10% do valor negociado globalmente - e tem origem em todas as regiões e setores. Observem:

[1] A China exporta mais de 60% dos produtos mais concentrados nos setores de eletrônicos e têxteis. A Ásia-Pacífico contribui desproporcionalmente para as exportações de minerais concentrados. Lítio, terras raras e grafite são particularmente concentrados, em grande parte extraídos de três ou menos países e principalmente refinados em um único país: a China. A América Latina e a América do Norte são responsáveis pela maioria dos produtos agrícolas mais concentrados, principalmente a soja. A maioria dos produtos médicos e farmacêuticos concentrados vem da Europa.

[2] Além desses hotspots globais, o estudo mostra também que alguns países e empresas têm dependência concentrada de apenas algumas fontes, mesmo no caso de produtos amplamente disponíveis em todo o mundo. O trigo é um exemplo. Sua produção é bastante distribuída globalmente, com os três principais fornecedores respondendo por menos de 45% da oferta. No entanto, para países individuais, os fluxos são altamente concentrados. A Turquia e o Egito importaram mais de 75% de seu trigo da Ucrânia e da Rússia antes de 2022, por exemplo.

Evidência 4: As cadeias de valor globais evoluíram gradualmente no passado, mas podem ser moldadas por novas forças na próxima década

A pesquisa mostra que as cadeias de valor globais têm sido dinâmicas há muito tempo, mas com mudanças graduais na composição. No passado, os países individuais ganhavam (ou perdiam) não mais do que dois pontos percentuais de participação de exportação por ano (anualizada), e as cadeias de valor mudaram cumulativamente em cerca de 10 a 20 por cento por década.

[1] Entre 1995 e 2008, a direção da mudança foi quase uniforme em direção a “menos concentração e mais comércio inter-regional”. Depois de 2008, os padrões de fluxos comerciais divergiram. As cadeias de valor globais responsáveis por cerca de 40% dos fluxos comerciais, incluindo mineração, equipamentos eletrônicos e produtos farmacêuticos, reverteram o curso, “tornando-se mais concentradas”. Os quase dois terços restantes se estabilizaram ou continuaram a se tornar menos concentrados e mais inter-regionais, mais notavelmente aqueles vinculados a muitos serviços, como serviços profissionais.

[2] Segundo a pesquisa, agora estão surgindo novas forças que podem moldar e acelerar a próxima evolução de algumas cadeias de valor, incluindo semicondutores e produtos farmacêuticos. Estimulados por considerações de segurança nacional, competitividade ou resiliência, muitos governos sinalizaram que visam influenciar a reconfiguração de algumas cadeias de valor. No caso dos semicondutores, por exemplo, os Estados Unidos, a União Europeia, a Coreia do Sul, a China e o Japão anunciaram medidas para reforçar as cadeias de valor domésticas. Novos movimentos para dissociar tecnologias e restringir os fluxos de dados também podem influenciar as cadeias de valor, especialmente aquelas que são consideradas críticas para as prioridades estratégicas nacionais.

[3] Esforços para aumentar a resiliência no fornecimento e melhorar a capacidade de resposta à demanda podem encurtar algumas cadeias de suprimentos, tornando-as mais regionais. As cadeias de valor de bens manufaturados também serão influenciadas pelo aumento da automação, pela evolução dos salários e pelo desenvolvimento de novos centros de intangíveis. As cadeias de valor dos serviços, particularmente para serviços intermediários, podem se aprofundar e se expandir. Há um espaço considerável para a desagregação à medida que mais economias fazem a transição para os serviços. Avanços contínuos na tecnologia podem permitir um comércio de serviços digitais mais contínuo.

Comentário final

O estudo é riquíssimo, o que foi colocado aqui é apenas um fragmento, vale a leitura. Porém, olhando para os fluxos globais, é evidente que o mundo não está passando por uma desglobalização, mas são as conexões globais que estão se reconfigurando. Como eu disse no início, parte de um capitalismo que está mudando a sua natureza de acumulação e de riqueza, com importante papel para o conhecimento.

Excelente semana!