Por: Sudanês B. Pereira
Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.
Mudança Climática pode Causar Supermigração de 143 milhões de pessoas
De acordo com o Relatório do Banco Mundial, Groundswell: Preparing for Internal Climate Migration, a mudança climática levará dezenas de milhões de pessoas a migrar dentro de seus países até 2050. O relatório se concentra em três regiões - África Subsaariana, Sul da Ásia e América Latina, que juntas representam 55% da população do mundo em desenvolvimento. Essas pessoas migrarão de áreas menos viáveis, com menor disponibilidade de água e produtividade agrícola, e de áreas afetadas pela elevação do nível do mar e tempestades.
Segundo o relatório, sem ações concretas para o clima e o desenvolvimento, pouco mais de 143 milhões de pessoas - ou cerca de 2,8% da população dessas três regiões - poderiam ser forçadas a se mudar dentro de seus próprios países, para escapar dos impactos de início lento da mudança climática.
As migrações ocorrem por diversos motivos - econômicos, sociais, políticos e ambientais. Recentemente, a migração transfronteiriça e suas implicações para os países, chamaram a atenção da comunidade global. Com a ameaça da mudança climática, a possibilidade de aumentar o fluxo de migrações é real.
Para chegar a essa estatística assustadora, o relatório considerou um modelo de análise que aplica dados demográficos, socioeconômicos e de impacto climático. Para lidar com as incertezas da migração nos próximos 30 anos, o relatório considerou três cenários potenciais de clima e desenvolvimento, como mostra a figura 1.
Essa abordagem de cenários, fornece aos formuladores de políticas públicas uma maneira de entender melhor e planejar a provável movimentação de pessoas dentro de seus países — ao longo do tempo e em diferentes geografias — devido aos impactos das mudanças climáticas.
De acordo com o relatório, em todos os cenários a mudança climática é um fator crescente de migração interna. Os impactos das mudanças climáticas (quebra de safra, estresse hídrico, aumento do nível do mar) aumentam a probabilidade de migração sob estresse, criando desafios crescentes para o planejamento e desenvolvimento humano.
Principais mensagens
Mensagem 1:
A escala da migração climática interna aumentará em 2050, e em seguida acelerará, a menos que ações conjuntas para o clima e o desenvolvimento sejam tomadas.
No cenário de “desenvolvimento mais inclusivo”, a migração climática interna nas três regiões poderia cair para entre 65 e 105 milhões. O cenário “mais favorável ao clima” projeta o menor número de migrantes climáticos internos, variando de 31 milhões a 72 milhões nas três regiões.
No pior caso, ou cenário “pessimista”, o número de migrantes climáticos internos poderia atingir mais de 143 milhões (cerca de 86 milhões na África Subsaariana, 40 milhões no Sul da Ásia e 17 milhões na América Latina) até 2050. As pessoas mais pobres e os países mais pobres são os mais atingidos. Ver a figura 2.
Fig. 2 Número projetado de migrantes climáticos na África Subsaariana, Sul da Ásia e América Latina em três cenários, até 2050
Mensagem 2:
A segunda mensagem do relatório sinaliza que os países podem esperar ver “pontos críticos” de imigração e emigração induzida pelo clima. Isso terá implicações significativas para os países e o planejamento de desenvolvimento futuro.
O relatório projeta que a “emigração” impulsionada pelo clima, ocorrerá em áreas onde os sistemas de subsistência estão cada vez mais comprometidos pelos impactos das mudanças climáticas. Esses “pontos críticos” são áreas cada vez mais marginais e podem incluir cidades baixas, litorais vulneráveis ao aumento do nível do mar, e áreas de alto mar e estresse agrícola.
Segundo o relatório, os hotspots climáticos de “migração interna” nas três regiões surgem em locais com melhores condições climáticas para a agricultura, bem como em cidades capazes de oferecer melhores oportunidades de subsistência. O relatório cita como hotspots as terras altas do sul entre Bangalore e Chennai na Índia, o planalto central ao redor da Cidade do México e da Cidade da Guatemala e Nairóbi no Quênia, que provavelmente se tornarão áreas de maior migração climática.
Muitas áreas urbanas e periurbanas[1], precisarão se preparar para o influxo de pessoas, inclusive por meio de melhores moradias e infraestrutura de transporte, serviços sociais e oportunidades de emprego. Isso aumenta a necessidade de estratégias de desenvolvimento para apoiar as pessoas. Para o Banco Mundial, os componentes de estratégias de adaptação local bem-sucedidas incluem: investimento em infraestrutura inteligente para o clima; diversificação das atividades de geração de renda; construção de sistemas de proteção financeira mais responsivos para grupos vulneráveis; e educar e capacitar as mulheres.
Os programas de redução da pobreza e proteção social voltados para as áreas rurais, podem ajudar a aumentar a capacidade de adaptação às mudanças climáticas, reduzindo potencialmente a necessidade das pessoas se mudarem em situação de perigo. A mudança climática pode ser um inibidor ou um impulsionador da migração transfronteiriça, dependendo de uma série de fatores que impulsionam os indivíduos a decidirem se mudar.
Mensagem 3:
A migração pode ser uma estratégia sensata de adaptação às mudanças climáticas se administrada e apoiada por boas políticas de desenvolvimento e investimentos direcionados.
O relatório aponta que as estratégias de apoio à migração interna precisam salvaguardar não apenas a resiliência daqueles que se deslocam, mas também daqueles nas comunidades de envio e recebimento.
Segundo o relatório, entre 2030 e 2050, os pontos críticos de migração climática se intensificarão e possivelmente se espalharão. Os países, portanto, precisarão adotar uma abordagem antecipatória de longo prazo para o planejamento, de modo que os migrantes climáticos sejam levados em consideração nas estratégias gerais de crescimento e desenvolvimento. A mensagem 3 cita os três países abaixo.
- Etiópia – o país pode ver um aumento populacional de até 85% até o ano de 2050, e ter uma produtividade agrícola mais baixa devido à mudança climática. A Etiópia precisará planejar uma economia mais diversificada, absorvendo mão de obra em setores não agrícolas e menos sensíveis ao clima.
- Bangladesh - deve ter um terço dos migrantes climáticos internos no Sul da Ásia até 2050 sob o cenário pessimista. O país está desenvolvendo um Plano de Perspectiva para 2041 no qual considera as mudanças climáticas como um fator de migração futura.
- México - como um país de renda média alta com uma economia diversificada e em expansão, é relativamente menos sensível ao clima. Segundo o relatório, o país tem alguma capacidade de se adaptar às mudanças climáticas, mas precisa prestar muita atenção aos seus impactos sobre os bolsões de pobreza.
Mensagem 4:
A migração interna provocada pelo clima pode ser uma realidade, mas não precisa ser uma crise. Ações em três áreas principais podem ajudar a reduzir o número de pessoas que são forçadas a se mudar em perigo.
1. Cortar os gases de efeito estufa agora
De acordo com o relatório, é necessária uma forte ação climática global para cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aumento futuro da temperatura a menos de 2°C até o final deste século. Mesmo com esse nível de aquecimento, os países ficarão presos a um certo nível de migração climática interna.
O alerta é de que, sem uma rápida redução das emissões de gases de efeito estufa nas próximas duas décadas, o cenário pessimista do relatório provavelmente se tornará realidade. No cenário mais favorável ao clima (no qual as emissões de gases de efeito estufa são significativamente reduzidas), projeta-se que um número muito menor de pessoas migrará nas três regiões. A janela de oportunidade para reduzir os gases do efeito estufa e reverter as tendências de aquecimento está se fechando rapidamente.
2. Incorporar a migração climática no planejamento do desenvolvimento
O relatório mostra que há uma necessidade urgente dos países integrarem a migração climática aos planos nacionais de desenvolvimento. A maioria das regiões tem leis, políticas e estratégias mal preparadas para lidar com as pessoas que se deslocam de áreas de crescente risco climático, para áreas que já podem ser densamente povoadas.
A orientação aponta para uma necessidade de construir políticas e ações de desenvolvimento para todos os afetados, em cada fase da migração (antes, durante e depois da mudança). O envolvimento de atores privados, da sociedade civil e de organizações internacionais é fundamental para a construção de estruturas de políticas e capacidades para traçar estratégias.
3. Investir agora para melhorar a compreensão da migração climática
O relatório é claro ao dizer que existem incertezas inerentes à maneira como os impactos climáticos vão se manifestar em um determinado local. Nesse sentido, à medida que mais dados se tornam disponíveis sobre as mudanças climáticas e seus prováveis impactos sobre a disponibilidade de água, o aumento do nível do mar, secas, entre outros impactos, os cenários e modelos construídos para entender os impactos desses fenômenos, precisam ser atualizados para produzir projeções mais detalhadas espacialmente.
É importante intensificar a capacitação nacional para coletar e monitorar dados relevantes, para aumentar a compreensão das interações entre os impactos climáticos, ecossistemas, meios de subsistência e mobilidade, e assim ajudar os países a definir políticas, planejamento e decisões de investimento.
Alguns comentários:
O relatório fornece uma série de recomendações de políticas que podem ajudar a desacelerar os fatores que impulsionam a migração climática e se preparar para os fluxos de migração esperados. Ao implementar uma abordagem baseada em cenários, o relatório explora resultados futuros em potencial que podem ajudar os tomadores de decisão a planejarem com antecedência.
Os números apresentados no relatório não são apenas uma projeção baseada em modelos que consideram dados demográficos, socioeconômicos e de impacto climático. De fato, estamos caminhando para uma crise humana. A migração climática ou esses “migrantes climáticos”, somam-se aos milhões de pessoas que já se deslocam dentro das fronteiras de seus países por motivos sociais, políticos, econômicos ou outros.
Como o relatório sinaliza, temos uma pequena janela para preparar o terreno para essa nova realidade, antes que os efeitos da mudança climática se aprofundem.
Boa semana!
[1] As áreas periurbanas são áreas que se encontram numa posição de transição entre espaços estritamente rurais e áreas urbanas. As áreas periurbanas garantem, em geral, uma articulação urbano-rural de proximidade e podem eventualmente tornar-se totalmente urbanas.