Por: Sudanês B. Pereira
Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.
Desenvolvimento Sustentável e Recuperação Pós Pandemia
No dia 29 de setembro, PNUD, UNESCO, UNICEF e OPAS/OMS apresentaram o relatório “COVID-19 e Desenvolvimento Sustentável: avaliando a crise de olho na recuperação”. O relatório traça uma radiografia do Brasil no enfrentamento da COVID-19.
No Brasil, a pandemia atingiu sobretudo a população em situação de maior fragilidade quanto ao desenvolvimento humano, evidenciando as diferenças de acesso a importantes recursos como a rede de proteção social, serviços públicos de saúde, acesso ao emprego e à renda e moradia adequada.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), diante desse cenário, uma recuperação eficaz dependerá de esforços conjuntos para fortalecer os sistemas de saúde, reforçar a proteção social, criar oportunidades econômicas, ampliar a colaboração multilateral e promover a coesão social. Para o PNUD, o processo de recuperação pós-COVID-19 representa uma oportunidade histórica para se reimaginar as
sociedades a partir de uma lente de direitos humanos e implementar as mudanças necessárias para se alcançar um futuro melhor para todos.
De acordo com o documento, a pandemia se sobrepôs às tensões não resolvidas entre “os indivíduos e os padrões tecnológicos, entre os indivíduos e o meio ambiente, e entre os que têm acesso a oportunidades e os que não têm”. Essas tensões já estavam moldando uma nova geração de desigualdades pertinentes às capacidades para o desenvolvimento no século 21. A resposta à crise pode delinear a forma como essas tensões serão tratadas e como as desigualdades no desenvolvimento humano serão reduzidas. Considerando esses desafios, o relatório sugere que três princípios devem ser observados para moldar a resposta à crise. Ver a figura 1.
Os Pilares da Recuperação Econômica
O documento é extremamente rico quanto aos dados e as propostas para uma recuperação com o olhar para um outro desenvolvimento – sustentável e inclusivo. Segundo a proposta, para o Brasil assegurar uma recuperação resiliente e inclusiva o país precisa definir as mudanças que o aproximem de uma agenda para o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, cinco pilares apontam para uma agenda de construção de um desenvolvimento em novas bases. Ver a figura 2.
Pilar 1. Governança – construir um novo contrato social
Governança é a ação de governar, mas não necessariamente sozinho, mas com o setor privado e a sociedade civil, além de maximizar a relação entre os entes federativos. O foco desse pilar compreende:
- Apoiar o estado de direito, os direitos humanos e as instituições governamentais nacionais e locais para alicerçar a governança eletrônica; gerenciar crises e incertezas; desenvolver e implementar políticas de emergência; regulamentar e planejar contingências, garantir a continuidade de serviços essenciais e combater a corrupção e as informações falsas.
- Romper estereótipos de gênero e propulsores de discriminação, garantindo a continuidade de serviços para apoiar o empoderamento de mulheres e sobreviventes da violência de gênero.
- Apoiar os governos a criar espaço fiscal, investir em mercados prioritários, fortalecer o engajamento com o setor privado e desenvolver estratégias inclusivas de recuperação econômica verde.
- Fortalecer o capital social – hábitos, normas e sistemas para expressão, inclusão e solidariedade – e o engajamento com a sociedade civil.
- Manter o ímpeto de prevenção de conflitos e transições pacíficas como parte de esforços contínuos para promover resultados conjuntos humanitários, de desenvolvimento e de paz em contextos frágeis.
Pilar 2. Proteção Social – eliminar as desigualdades
A pandemia exacerbou as desigualdades sociais. A proteção social pode ser uma ferramenta extremamente importante para combater a desigualdade de forma mais ampla. Para o PNUD, as parcerias público-privadas são importantes aqui também, pois elas podem ser fundamentais para criar sistemas de proteção social resilientes que possam enfrentar choques, criar estratégias para trabalhadores do setor informal e projetar uma nova geração de empregos verdes que apoiem o empreendedorismo liderado por jovens. O foco desse pilar são:
- Possibilitar opções de transferência de renda e inclusão financeira, incluindo Renda Básica Temporária e Renda Básica Universal como parte de um contrato social renovado.
- Focar no futuro do trabalho, incluindo a criação de oportunidades para adolescentes e jovens.
- Apoiar medidas de proteção social e estímulos fiscais que reflitam a economia da assistência e sejam inclusivas, alcançando trabalhadores domésticos e informais, pessoas com deficiência, mulheres migrantes e outros grupos.
- Promover a cobertura e o acesso universal de saúde enfrentando as deficiências sistêmicas e estruturais nos sistemas de saúde e apoio aos sistemas e serviços de saúde, inclusive para populações-chave e pessoas vivendo com HIV.
Pilar 3. Reimaginar o Futuro para cada Criança e Adolescente
As crianças e adolescentes são, em definitivo, aqueles que darão continuidade a um país mais justo, desigual, inclusivo e sustentável. Segundo o PNUD, o progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável está retrocedendo e as crianças e adolescentes continuam pagando um preço alto. Nesse sentido, é fundamental priorizar ações concretas para esse grupo de cidadãos. O foco desse pilar possui um dos maiores leques de ações que podem ser priorizadas, como pode ser visto abaixo.
- Reimaginar a educação para garantir o direito de aprender de cada criança e adolescente, garantindo o sucesso escolar de cada estudante.
- Promover diferentes iniciativas e ações para reduzir a exclusão digital, conectando todas as crianças e adolescentes à internet até 2030 e alcançando-as com aprendizagem remota segura, de qualidade, acessível e equitativa.
- Gerar oportunidades de formação e acesso ao mundo do trabalho para adolescentes e jovens de 14 a 24 anos em situação de vulnerabilidade para: garantir acesso à educação de qualidade a todos os adolescentes e jovens; oferecer oportunidades de trabalho decente, com foco nos mais vulneráveis; oferecer oportunidades de formação para o desenvolvimento de competências para o mundo do trabalho e protagonismo juvenil; ampliar a inclusão digital de adolescentes e jovens; erradicar o trabalho infantil, o trabalho escravo, o trabalho precário e a discriminação de qualquer natureza.
- Garantir urgentemente a continuidade dos principais serviços de saúde e nutrição para crianças e adolescentes – especialmente a vacinação de rotina, priorizando os mais difíceis de alcançar.
- Trabalhar para políticas de apoio e proteção à saúde mental de crianças e adolescentes incluindo fim ao abuso, à violência de gênero e à negligência na infância.
- Integrar os direitos das crianças nas principais estratégias nacionais de mudanças do clima.
- Trabalhar com dados e evidências para reverter o aumento da pobreza infantil e garantir uma recuperação inclusiva para todos.
Pilar 4. Disrupção digital e inserção do Brasil em uma nova Rota de Desenvolvimento
Os dados que o documento trabalha são preocupantes. No Brasil, 28% das famílias não têm acesso à internet, percentual que aumenta conforme a renda diminui e chega a 48% em áreas rurais. Considerando que daqui pra frente o digital definirá a exclusão ou não de um cidadão, as crianças que não possuírem acesso a uma educação de qualidade, dificilmente terá um futuro diferente do que vive hoje.
De acordo com o Pnud, o fato de mais de 50% das crianças de 10 anos em países de baixa e média renda não conseguirem ler e entender uma história simples ao final do ensino primário, já reflete uma crise global de aprendizagem. E, a menos que a exclusão digital seja eliminada, esse grupo de jovens em rápido crescimento será deixado para trás. A pandemia só fez aumentar essa urgência.
O documento lembra que o UNICEF propõe reimaginar a educação, revolucionando o aprendizado e o desenvolvimento de habilidades para fornecer educação de qualidade para todas as crianças por meio da aprendizagem digital, conectividade com a internet, dispositivos, dados acessíveis e o envolvimento dos jovens. O foco em disrupção digital de acordo com esse pilar inclui:
- Planejar estratégias amplas de transformação digital: universalização da banda larga, alfabetização digital, inserção no currículo escolar de novos paradigmas tecnológicos, educação e treinamento para combater o desemprego tecnológico, entre outras ações mencionadas no documento.
- Prestar serviços governamentais de forma remota, incluindo assistência médica.
- Apoiar a integração de dados e percepções para melhorar a tomada de decisões.
- Estabelecer plataformas de pagamento digital e sistemas de comércio eletrônico com foco em pequenas e médias empresas administradas por mulheres e fechar o fosso digital para populações vulneráveis.
- Aprimorar as opções de financiamento digital.
Pilar 5. Economia Verde - Reequilibrar Natureza, Clima e Economia
Essa é a parte na qual o relatório busca mostra a necessidade de se redefinir o modelo de desenvolvimento. A proposta sinaliza a necessidade de restaurar o equilíbrio entre as pessoas e o planeta. A hora é de respostas ousadas e urgentes, que abordem as mudanças climáticas e protejam o meio ambiente, priorizem crianças, adolescentes e mulheres em contextos de vulnerabilidade socioeconômica, e parte de comunidades tradicionais que estão mais expostas aos efeitos da crise climática e de desastres naturais. Vários exemplos são citados no documento, o foco do pilar está centrado nos seguintes pontos:
- Impulsionar a recuperação verde e resiliente, com soluções de planejamento urbano, agricultura e uso da terra.
- Explorar subsídios de recuperação verde para promover e proteger empregos e meios de subsistência baseados na natureza, incluindo o empreendedorismo rural.
- Promover soluções e abordagens próprias e comunitárias, especialmente em comunidades indígenas.
- Acelerar uma transição à energia verde como parte da resposta à COVID-19, incluindo apoiar políticas de reforma de subsídios a combustíveis fósseis.
Segundo o documento, o Brasil precisa criar uma recuperação que “reconstrua melhor”, o que significa não só recuperar de imediato as economias e os meios de subsistência, mas também salvaguardar a prosperidade a longo prazo. Para isso é necessária uma nova geração de políticas públicas e transformações sociais que facilitem a transição para uma sociedade menos desigual, mais resiliente e com impactos controlados sobre a natureza.
Boa semana!