Economia e Inovação

Por: Sudanês B. Pereira

Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.

Cresce o Investimento Estrangeiro Direto em Energias Renováveis

16/08/2022
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Até agora, o investimento estrangeiro direto em energias renováveis resistiu à tempestade que atingiu todo o mercado de energia após a guerra na Ucrânia, mantendo a transição da economia global para net-zero líquido, segundo o relatório The Switch Report 2022, um projeto de pesquisa conjunta da fDi Intelligence e a Fundação Enel, o think tank de pesquisa da empresa italiana de energia Enel.

O Switch Report 2022 investiga a mudança de investimento em andamento para energias renováveis a partir de combustíveis fósseis. O relatório divide a mudança por geografias e tecnologias, e explora suas implicações geopolíticas à medida que a geração de energia renovável quebra o paradigma típico de importação/exportação de combustíveis fósseis.

A análise apresentada no relatório é baseada no banco de dados fDi Markets, um serviço do Financial Times. A fDi Markets rastreia projetos de investimento direto estrangeiro (IED) greenfield e brownfield, detalhando para cada um o valor do investimento e a criação de empregos. Ambos os dados se referem aos números divulgados pelas empresas interessadas no momento do anúncio do projeto.

Os dados da fDi Markets são um indicador em tempo real dos investimentos reais que as empresas estão fazendo em suas subsidiárias no exterior e, em última análise, uma proxy do sentimento dos investidores.

Ao contrário do investimento financeiro fluido, em que os títulos mudam de mãos em um piscar de olhos, o IDE exige que as empresas tenham uma visão de longo prazo. Embora não seja uma ciência exata, a análise do IDE global delineia as principais forças que estão moldando a economia e a geopolítica do futuro, com a transição energética emergindo como a mais disruptiva de todas.

Os dados mostram que a geração de eletricidade através do uso de fontes de energia renovável (FER) e sistemas inteligentes para armazená-la e distribuí-la, tornaram-se o maior ímã do IED global. Atualmente, nenhum outro setor atrai tanto IDE quanto as tecnologias de energia verde.

Os combustíveis fósseis costumavam dominar o investimento global em energia, mas a transição energética levou o IED a, literalmente, mudar a corrente dos investimentos estrangeiros. O fDi mostra que as concessionárias de energia vêm construindo portfólios globais de ativos de energia renováveis à medida que limpam sua matriz energética. Até as empresas de petróleo e gás começaram a alocar orçamentos multibilionários para o desenvolvimento de energia renovável, incluindo hidrogênio verde.

O relatório é extenso e esse artigo se propõe a mostrar uma visão geral, os próximos serão por área e tecnologias.

Os Dados do Relatório The Switch Report 2022

Os dados do fDi são inequívocos. O IED em energias renováveis atingiu o pico de US$ 116,6 bilhões em 2019, eclipsando pela primeira vez os combustíveis fósseis, que atraíram US$ 115,5 bilhões no mesmo ano. A tendência de aumento dos investimentos em energia renovável e a diminuição dos investimentos em combustíveis fósseis, manteve-se forte nos dois anos, à medida que a crise do Covid-19 reforçou a necessidade de uma economia mais sustentável.

Apesar da pandemia da Covid-19, o IED em energias renováveis foi US$ 90,8 bilhões em 2021, em 2020 o investimento foi de US$ 96,7 bilhões. Observem que os investimentos de 2020-2021 foram abaixo do recorde atingido em 2019, mas segundo o fDi, acima da média anual de US$ 66,6 bilhões da década de 2010. Enquanto isso, os investimentos estrangeiros em carvão, petróleo e gás caíram para US$ 47,5 bilhões em 2020, atingindo um novo recorde de baixa de US$ 16,2 bilhões em 2021. O ponto de inflexão: as energias renováveis superam os combustíveis fósseis em 2019. Ver o gráfico 1 logo abaixo.

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Gráfico 1. Investimento direto estrangeiro greenfield em energias renováveis

De acordo com o relatório, o número estimado de empregos criados por projetos de energia renovável transfronteiriços, eclipsou os empregos gerados por carvão, petróleo e gás. Em 2020, o IED em energias renováveis criou o dobro de empregos do que o IED em combustíveis fósseis, cinco vezes mais em 2021. Para termos ideia, o total de empregos ativos na cadeia de valor de fontes de energia renovável em 2012 era de 7,3 milhões, em 2020 alcançou 12 milhões de empregos, um aumento de 40% em relação ao ano de 2012.

A geografia da mudança dos investimentos

O relatório faz um apanhado sobre a geografia dos investimentos em energias nos últimos anos. Segundo o fDi, durante décadas, o mapa energético mundial foi construído sobre as relações entre os países consumidores ocidentais e os países produtores e exportadores de petróleo. Com 75% das reservas de petróleo localizadas no Oriente Médio, Norte da África e Venezuela, e mais de 50% das reservas de gás na Rússia, Irã e Catar, o uso de combustíveis fósseis criou um mapa de interdependências globais - e conectou tensões geopolíticas - que se aprofundaram com a entrada da China e da Índia na economia global como consumidores de combustíveis fósseis.

As fontes de energia renovável (FER) viraram esse paradigma de cabeça para baixo. Para os analistas, os países têm a chance de colher os resultados das fontes de energias renováveis locais para atender às demandas domésticas de energia e diminuir a dependência das importações de combustíveis fósseis, limitando o valor geopolítico tradicionalmente atribuído ao setor de energia, estimulando assim padrões cooperativos. Nesta perspectiva, o relatório aponta que o grau de sucesso que esses países podem alcançar depende da capacidade de atrair investimentos de desenvolvedores internacionais de fontes de energia renováveis que tenham capital e know-how para desenvolver projetos. Para além disso, Estado de direito, forte orientação política e incentivos públicos, também orientam os investimentos. Os países desenvolvidos estão na vanguarda dos investimentos em FER entre 2005 e 2022.

Os dados do fDi mostraram que o investimento estrangeiro direto em energias renováveis se espalha de maneira mais uniforme entre os países. Países latino-americanos como Chile e Brasil surgiram como principais destinos de IED em energias renováveis, atraindo, respectivamente, um total de US$ 43,3 bilhões e US$ 48,5 bilhões entre 2005 e 2022. Índia e África do Sul seguiram uma trajetória semelhante com, respectivamente, US$ 43 bilhões e US$ 19,8 bilhões. O fato é que os investimentos em energias renováveis se tornaram globais.

O IED e as tecnologias associadas às fontes de energias renováveis

Nas últimas duas décadas, as tecnologias solar e eólica tornaram-se os principais símbolos das energias renováveis. Em 2008, cerca de 53,5% do investimento estrangeiro direto (IED) estavam aportados em energia eólica. Mas, à medida que os painéis e células solares ficaram mais baratos, o IDE solar ultrapassou o investimento eólico pela primeira vez em 2010 e, novamente, em 2013, ganhando a liderança que manteve até hoje. No geral, entre 2005 e 2022, o IED solar representou 37,5% do investimento estrangeiro em energias renováveis, e o eólico 35%. Ver a figura 1.

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Fig. 1. Investimento Estrangeiro Direto e o Desdobramento da tecnologia de energias renováveis

Segundo o relatório, após a primeira onda de investimentos em energia eólica e solar, os esforços para descarbonizar e eletrificar o transporte pessoal e público, impulsionaram os investimentos em baterias, resultando em uma demanda crescente para a fabricação de baterias. De 2015 a 2022, o investimento estrangeiro na produção de baterias aumentou, de US$ 1,1 bilhão em 2015 para US$ 17,1 bilhões em 2021.

Segundo o documento, o hype do hidrogênio verde aumentou rapidamente nos últimos dois anos, com anúncios de investimentos estrangeiros em projetos de hidrogênio verde superando a marca de US$ 25 bilhões em 2021, em 2020 foi de US$ 8 bilhões.

O mercado de hidrogênio verde permanece fragmentado com players diversos, desde empresas de energia renovável, grandes empresas de petróleo e gás, e empresas de gases industriais. Os próprios grandes países de petróleo e gás, principalmente do Oriente Médio, apostam em mudar parte de sua capacidade de petróleo e gás para hidrogênio verde, o que seria um avanço do ponto de vista ambiental, mas manteria a atual divisão entre exportadores de energia e importadores de energia, com todas as suas implicações geopolíticas.

Finalizando....por ora

O Switch Report 2022 destaca que a transição energética está redesenhando o mapa de energia mundial. Os padrões de investimento estrangeiro global em energias renováveis descrevem os contornos deste novo mapa da energia e a nova ordem geopolítica que ele traz.

Os dados apresentados no relatório, que são baseados em dados do monitor de investimento estrangeiro fDi Markets, confirmam a trajetória ascendente de longo prazo do IDE em energias renováveis.

Observe os gráficos abaixo. O IED em carvão, petróleo e gás, que foi da ordem de US$ 3,1 bilhões no 1º trimestre de 2021, alcançou US$ 8,3 bilhões no primeiro trimestre de 2022. No entanto, do ponto de vista histórico, continua sendo o terceiro desempenho mais fraco nos recordes após o 1T21 e o 1T17. Ver a figura abaixo.

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Figura 2. Investimento direto estrangeiro anunciado no primeiro trimestre de cada ano por tecnologia

Excelente semana!