Economia e Inovação

Por: Sudanês B. Pereira

Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.

China domina as cadeias globais de fornecimento de energia solar fotovoltaica (PV)

28/12/2022
Imagem de kjpargeter no Freepik

Agência Internacional de Energia (IEA) lançou um relatório muito interessante sobre o estado atual da cadeia de fornecimento de energia solar fotovoltaica (PV). O relatório “Special Report on Solar PV Global Supply Chains (2022)” examina as cadeias de fornecimento desde as matérias-primas até o produto acabado, abrangendo os cinco principais segmentos do processo de fabricação: polissilício, lingotes, wafers, células e módulos. A análise abrange oferta, demanda, produção, consumo de energia, emissões, emprego, custos de produção, investimento, comércio e desempenho financeiro, destacando as principais vulnerabilidades e riscos em cada estágio.

Além disso, como a diversificação é uma das principais estratégias para reduzir os riscos da cadeia de suprimentos, o relatório avalia as oportunidades e os desafios do desenvolvimento de cadeias de suprimentos fotovoltaicas em termos de criação de empregos, requisitos de investimento, custos de fabricação, emissões e reciclagem. Por fim, o relatório resume as abordagens políticas que alguns governos adotaram para apoiar a fabricação doméstica de energia solar fotovoltaica e fornece recomendações com base nelas.

O relatório é extenso, repleto de dados e informações, farei aqui somente uma análise simples de alguns pontos relevantes.

Capacidade Global de Fabricação

Atualmente, a China domina as cadeias globais de fornecimento de energia solar fotovoltaica (PV). A capacidade global de fabricação de energia solar fotovoltaica mudou drasticamente da Europa, Japão e Estados Unidos para a China na última década. A China investiu mais de US$ 50 bilhões em nova capacidade de fornecimento de energia fotovoltaica - dez vezes mais que a Europa - e criou até 300.000 empregos na manufatura, em toda a cadeia de valor da energia solar fotovoltaica desde 2011.

Hoje, a participação da China em todas as etapas de fabricação de painéis solares (como polissilício, lingotes, wafers, células e módulos) ultrapassa 80%. Isso é mais que o dobro da participação da China na demanda global de PV. Além disso, o país abriga os 10 maiores fornecedores mundiais de equipamentos de fabricação de energia solar fotovoltaica.

Segundo o relatório, a China tem sido fundamental para reduzir os custos mundiais da energia solar fotovoltaica, com múltiplos benefícios para a transição em direção à energia limpa. Ao mesmo tempo, o nível de concentração geográfica nas cadeias de suprimentos globais também cria desafios potenciais que os governos precisam enfrentar. A figura abaixo ilustra as principais etapas do processo de fabricação de energia solar fotovoltaica.

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Principais etapas do processo de fabricação de energia solar fotovoltaica

O poder da China em toda cadeia de produção e fornecimento

O estudo da IEA revela que as políticas governamentais na China moldaram a oferta global, a demanda e o preço da energia solar fotovoltaica na última década. As políticas industriais chinesas com foco na energia solar fotovoltaica como um setor estratégico, além da crescente demanda doméstica, permitiram economias de escala, sem contar a inovação contínua em toda a cadeia de suprimentos. Essas políticas contribuíram para uma redução de custo de mais de 80%, contribuindo para a energia se tornar mais acessível em muitas partes do mundo. Mais não se pode esquecer que eles levaram também a desequilíbrios entre oferta e demanda na cadeia de suprimentos.

De acordo com o relatório, a capacidade global de fabricar wafers e células - que são os principais elementos fotovoltaicos solares, e de montá-los em painéis solares (também conhecidos como módulos) -, superou a demanda em pelo menos 100% no final de 2021.

Hoje, a fabricação de energia solar fotovoltaica com uso intensivo de eletricidade, é alimentada principalmente por combustíveis fósseis. O carvão gera mais de 60% da eletricidade usada para a fabricação solar fotovoltaica global, significativamente mais do que sua participação na geração global de energia (36%). Isso ocorre principalmente porque a produção fotovoltaica está concentrada na China, principalmente nas províncias de Xinjiang e Jiangsu, onde o carvão representa mais de 75% do fornecimento anual de energia, além dos beneficios de tarifas governamentais favoráveis.

Com base na capacidade de fabricação em construção, a participação da China na produção global de polissilício, lingotes e pastilhas, chegará em breve a quase 95%. Hoje, a província chinesa de Xinjiang responde por 40% da fabricação global de polissilício. Além disso, um em cada sete painéis produzidos no mundo é fabricado por uma única instalação. Este nível de concentração em qualquer cadeia de abastecimento global representaria uma vulnerabilidade considerável; a energia solar fotovoltaica não é exceção.

Outros fatos relevantes apontados pelo relatório: 1) a produção de muitos minerais importantes usados em PV é altamente concentrada, com a China desempenhando um papel dominante. 2) a demanda da indústria fotovoltaica por minerais deve se expandir significativamente. 3) a demanda por prata para fabricação de energia solar fotovoltaica em 2030 pode exceder 30% da produção global total de prata em 2020 - acima dos 10% atuais. Esse rápido crescimento, combinado com longos prazos de entrega para projetos de mineração, aumenta o risco de descompasso entre oferta e demanda, o que pode levar a aumentos de custos e escassez de oferta.

A China é o local com custo mais competitivo para fabricar todos os componentes da cadeia de fornecimento de energia solar fotovoltaica. Os custos na China são 10% menores do que na Índia, 20% menores do que nos Estados Unidos e 35% menores do que na Europa. Grandes variações nos custos de energia, mão de obra, investimento e despesas gerais explicam essas diferenças. Atualmente, a competitividade de custo da fabricação de energia solar fotovoltaica existente é um desafio fundamental para a diversificação das cadeias de suprimentos.

Tecnologias e capacidade de produção

Duas tecnologias principais dominam os mercados solares fotovoltaicos globais e as cadeias de suprimentos: os módulos de silício cristalino (c-Si) - representam mais de 95% da produção global, e a tecnologia fotovoltaica de filme fino de telureto de cádmio (CdTe) compõe o restante. Observe no gráfico abaixo a evolução da produção da tecnologia de silício monocristalino (vermelho), a parcela de silício cristalino (%) e a redução da produção de silício multicristalino (azul). Segundo a IEA, as tecnologias c-Si possuem alta participação de mercado e dominância esperada até 2030.

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Produção de módulos solares fotovoltaicos por tecnologia, 2011-2021

A China domina, de maneira significativa, todos os segmentos da cadeia de fornecimento de energia solar fotovoltaica. O país fortaleceu ainda mais sua posição de liderança como fabricante de wafers, células e módulos entre 2010 e 2021, enquanto sua participação na capacidade global de produção de polissilício quase triplicou. Hoje, a participação do país em todas as etapas de fabricação ultrapassa 80%, mais do que o dobro de sua participação de 36% na implantação global de PV.

O relatório mostra que, para wafers, a China tem pouca concorrência, enquanto para células e módulos, o Sudeste Asiático tem uma capacidade de produção considerável, principalmente no Vietnã, Malásia e Tailândia. Segundo a IEA, considerando as fábricas em construção e planejadas, espera-se que o domínio da China na fabricação de energia solar fotovoltaica persista, ou até se expanda no curto prazo. De fato, o domínio da China é evidente, como mostra o gráfico abaixo.

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Capacidade de fabricação de energia solar fotovoltaica por país e região, 2010-2021

Em todos os países ou regiões, exceto na China, a demanda por energia solar fotovoltaica excede a capacidade de fabricação, de polissilício a módulos. Ver o gráfico.

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Produção e demanda cumulativa de energia solar fotovoltaica, 2017-2021

O relatório revela que, embora os países da América do Norte e da Europa tenham significativa capacidade de fabricação de módulos, eles dependem quase inteiramente da China e do Sudeste Asiático, exceto pela capacidade de fabricação ligada à tecnologia de filme fino, que depende menos da cadeia de suprimentos chinesa. Além disso, a China também é o principal fabricante de componentes de módulos, incluindo vidro, EVA (etileno-vinil-acetato), placa traseira e caixa de junção. De fato, o relatório revela que a montagem do módulo é mais diversificada geograficamente, mas quase todos os insumos são fabricados na China.

Exportações de produtos solares fotovoltaicos

Em 2021, o valor das exportações de produtos vinculados a energia solar fotovoltaica da China foi superior a US$ 30 bilhões, quase 7% do superávit comercial da China nos últimos cinco anos. Além disso, os investimentos chineses na Malásia e no Vietnã, tornaram esses países grandes exportadores de produtos fotovoltaicos, respondendo por cerca de 10% e 5%, respectivamente, de seus superávits comerciais desde 2017.

O valor total do comércio global relacionado a fotovoltaicos - incluindo polissilício, wafers, células e módulos – ultrapassou US$ 40 bilhões em 2021, um aumento de mais de 70% em relação a 2020.

Oportunidades econômicas e ambientais

Segundo o estudo da IEA, novas instalações de fabricação vinculadas a energia solar fotovoltaica ao longo da cadeia de suprimentos, podem atrair investimentos de US$ 120 bilhões até 2030. Setores críticos, como polissilício, lingotes e pastilhas, atrairiam a maior parte dos investimentos para atender à crescente demanda.

Outro fator importante é a geração de empregos. O setor de energia solar fotovoltaica tem o potencial de dobrar seu número de empregos diretos na fabricação para 1 milhão até 2030. Os segmentos com maior intensidade de empregos ao longo da cadeia de suprimentos fotovoltaica são a fabricação de módulos e células. Na última década, no entanto, o uso de automação e veículos guiados automaticamente, aumentou a produtividade do trabalho, reduzindo assim a intensidade do trabalho.

O papel dos governos

A política e o ambiente macroeconômico de um país são essenciais para atrair investimentos em instalações de fabricação para qualquer setor. Para a energia solar fotovoltaica, os governos em todo o mundo implementaram várias políticas e esquemas de incentivo, com sucesso variável.

A agência internacional de energia sugere que as políticas de suporte podem ser aplicadas no lado da oferta (upstream) ou no lado da demanda (downstream), por meio de quatro combinações possíveis descritas na figura abaixo.

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Políticas que apoiam direta ou indiretamente o investimento na fabricação energia solar fotovoltaica (PV)

Globalmente, os governos precisam voltar sua atenção para garantir a segurança do fornecimento de energia solar fotovoltaica como parte integrante da transição para a energia limpa. Os países devem considerar a avaliação de suas vulnerabilidades e riscos domésticos de cadeia de fornecimento de energia solar fotovoltaica e desenvolver estratégias e ações para resolvê-los.

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