Por: Sudanês B. Pereira
Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.
As Cadeias Globais de Suprimentos de Tecnologia e as Estratégias para o Futuro
A Boston Consulting Group (BCG) divulgou um estudo interessante sobre as cadeias de suprimentos globais do futuro. De imediato, pensamos que as empresas devem criar capacidades fundamentais como: a) criar uma estratégia de cadeia de suprimentos baseada em dados, b) desenvolver um ecossistema digital, d) inovar de forma contínua, e) gerenciar uma rede de produção complexa.
De fato, nós temos visto que o tema “cadeia de suprimentos” se tornou um dos principais tópicos de discussão em empresas, organismos internacionais, e estratégia de países. Fala-se que as cadeias de suprimentos podem ser uma fonte potencial de risco, mas elas também podem ser um impulsionador de inovação e vantagem competitiva.
O estudo da BCG sugere que muitas empresas estão apostando alto na “cadeia de suprimentos do futuro”, investindo em digitalização, resiliência e sustentabilidade.
As principais economias do mundo - EUA, China, União Europeia e outras - estão instituindo novas políticas e controles de exportação para proteger a segurança nacional e as vantagens econômicas (vide a cadeia de semicondutores). Para as empresas que dependem de tecnologias consideradas sensíveis ou estratégicas, as novas regras estão criando desafios e incertezas.
Sobre os Riscos e Desafios para Cadeias de Suprimentos Tecnológicos
Segundo o estudo, as cadeias de suprimentos baseadas em tecnologia são cada vez mais forçadas a lidar com o crescente atrito geopolítico sobre a segurança nacional e econômica. O comércio, que antes moldava a geopolítica, agora está sendo moldado pela geopolítica. As empresas de tecnologia enfrentam desafios de maior risco e complexidade.
Espera-se uma variedade de riscos que provavelmente surgirão das políticas governamentais e do comportamento do cliente, dependendo de qual dos três segmentos as empresas se enquadram. Ver a figura 1.
Os principais pontos alertados pela BCG
[1] Indústrias cujas cadeias de suprimentos têm implicações de segurança nacional – especialmente produtores de tecnologias de dupla utilização, como semicondutores ou inteligência artificial, que podem ser usadas para fins militares e civis - provavelmente serão forçadas a mudar substancialmente. Outras ofertas de uso duplo incluem certos insumos de produção, como terras raras ou outros metais e os chamados materiais críticos, que podem ser usados tanto em sistemas militares quanto em produtos de consumo. Os governos podem buscar políticas direcionadas para garantir segurança, vantagem geopolítica e resiliência.
[2] As cadeias de suprimentos em áreas consideradas estratégicas, como biotecnologia, produtos farmacêuticos e energia limpa, podem precisar ser reconstruídas ou construídas do zero em novas geografias, à medida que os governos visam a resiliência da cadeia de suprimentos ou a competitividade econômica em setores onde a inovação desempenha um grande papel.
[3] Indústrias sem implicações óbvias de segurança nacional ou criticidade estratégica (como indústrias baseadas em commodities) provavelmente permanecerão otimizadas por custo. As empresas dessas indústrias podem diversificar suas redes adquirindo suprimentos de outras geografias de baixo custo. A BCG alerta que a preocupação maior para as indústrias desta categoria deve ser ter seus produtos interrompidos em uma disputa geopolítica mais ampla, como ocorreu em inúmeras disputas comerciais anteriores. (vide a atual guerra Ucränia x Rússia)
As Tensões sobre a Tecnologia
O ambiente de negócios global está saindo de uma era em que as forças de mercado eram os principais impulsionadores do planejamento corporativo. Agora, as políticas nacionais projetadas para incentivar setores-alvo e proteger as vantagens tecnológicas estratégicas são cada vez mais prevalentes. O resultado é uma escalada onde as restrições comerciais e as políticas industriais de um país fazem com que outros países respondam. Considere apenas alguns exemplos:
[1] Os EUA estão implementando controles de exportação para limitar o acesso da China aos elementos mais avançados da cadeia de valor de semicondutores. Antes disso, em agosto de 2022, o presidente dos EUA assinou a Lei CHIPS e Ciência, fornecendo US$ 39 bilhões em incentivos para promover a resiliência da fabricação de semicondutores.
[2] A China, em seu 14o Plano Quinquenal (lançado em 2021), acelerou as políticas industriais para a indústria doméstica de semicondutores. Em outubro de 2022, o presidente Xi Jinping pediu que a China “cultivasse novos motores de crescimento, como tecnologia da informação de próxima geração, inteligência artificial, biotecnologia, nova energia, novos materiais, equipamentos de alta qualidade e indústria verde” e que “acelere os esforços para alcançar maior autoconfiança e força em ciência e tecnologia”.
[3] Espera-se que a UE adote uma legislação em 2023 que visa aumentar a participação de mercado global das empresas europeias de semicondutores para 20% em dez anos. Esse esforço seria apoiado por US$ 30 bilhões a US$ 50 bilhões em financiamento de fontes públicas e privadas.
[4] Além disso, a Holanda e o Japão implementaram controles de exportação direcionados à indústria de semicondutores da China. O Japão também aprovou US$ 6,8 bilhões em financiamento para apoiar empresas nacionais de semicondutores.
[5] A Índia comprometeu US$10 bilhões para incentivar a fabricação doméstica de semicondutores.
O estudo da BCG sugere que os incentivos ou intervenções de governo provavelmente continuarão em três tipos de cadeias de suprimentos de tecnologia: 1. IA e semicondutores de código aberto, 2. Computação quântica, 3. Tecnologias industriais, como energia limpa e biotecnologia.
O Retorno da Política Industrial em Setores Estratégicos de Tecnologia
Estamos vendo uma série de países traçando estratégias de política industrial para melhorar a competitividade e proteger setores sensíveis para o desenvolvimento do país. Os governos veem as tecnologias avançadas em certos setores emergentes como críticas para a competitividade econômica e a segurança nacional; energia limpa e biotecnologia são dois exemplos. Nesse sentido, os governos começaram a considerar a política industrial e as restrições comerciais nessas áreas específicas. Ver a figura 2 com as áreas estratégicas com potencial de intervenção governamental dos Estados Unidos, União Europeia e China.
Segundo a BCG, o mercado cumulativo de 2020 a 2050 para tecnologias limpas (que permitem veículos elétricos [EVs], por exemplo) pode chegar a US$ 24 trilhões a US$ 75 trilhões, dependendo do ritmo e da escala da transição. Os governos estão adotando uma política industrial que acelera a transição de baixo carbono enquanto reconfiguram a manufatura.
A biotecnologia é outro setor chave a ser observado. Impulsionada pelos avanços na computação, IA e nanociências, a biotecnologia promete permitir o progresso em setores como agricultura, produtos farmacêuticos e produtos químicos. A bioeconomia emergente ajudará a gerar mais de US$ 30 trilhões de atividade econômica nos próximos 30 anos.
Reflexões para empresas e líderes empresariais
[1] Os líderes da indústria devem perceber que a necessidade de reconstruir as cadeias de suprimentos de tecnologia pode afetar profundamente seus negócios. Embora o setor de semicondutores tenha sido a indústria mais visivelmente afetada até agora, o escopo e a escala de desenvolvimento e reconstrução das cadeias de suprimentos em breve se espalharão. Embora as empresas operem em uma rede interconectada de cadeias de suprimentos globais há décadas, muitas não têm um inventário completo de seus fornecedores, muito menos dos fornecedores de seus fornecedores. É importante investir para avaliar os riscos para sua base de fornecedores.
[2] Certifique-se de que suas equipes de Assuntos Governamentais e conformidade tenham os recursos e habilidades técnicas para informar/influenciar os formuladores de políticas de forma eficaz. As equipes de assuntos governamentais devem trabalhar multifuncionalmente com especialistas em direito, P&D, segurança cibernética, e gerenciamento da cadeia de suprimentos para avaliar os riscos colocados pelas intervenções políticas nas cadeias de suprimentos de tecnologia.
[3] As políticas industriais podem beneficiar empresas que agem rapidamente.
Fiquemos atentos, tracemos estratégias locais para enfrentar novos tempos que exigem novas estratégias, inovação e sustentabilidade para a competitividade.
Excelente semana!