Economia e Inovação

Por: Sudanês B. Pereira

Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.

A INDÚSTRIA DE SEMICONDUTORES E A ECONOMIA DIGITAL

30/08/2021

Depois da escassez inusitada de chips em vários segmentos da atividade econômica mundial, as nações desenvolvidas perceberam o quanto esse setor é estratégico, do ponto de vista econômico e de segurança nacional.

A Boston Consulting Group (BCG) e a Semiconductor Industry Association (SIA) - a voz da indústria de semicondutores dos EUA, divulgaram o relatório “Strengthening the Global Semiconductor Supply Chain in an Uncertain Era”, que aborda a indústria e a cadeia de semicondutores mundial. O relatório é extenso, coloco aqui as informações que podem nos ajudar a entender a lógica de funcionamento dessa indústria estratégica para a economia digital.

Semicondutores: o que são e para que servem

Semicondutores são produtos altamente complexos para projetar e fabricar. Quando usamos nossos equipamentos eletrônicos não temos ideia do quanto de tecnologia existe neles, ou, como os especialistas falam, o quanto de tecnologia embarcada existe. Essa indústria requer um ritmo de inovação acelerado, investimentos altíssimos, e uma sofisticada cadeia de valor global, além de uma infraestrutura de pesquisa integrada por empresas e universidades especializadas por todo mundo. A maioria dos semicondutores de hoje são circuitos integrados, também chamados de "chips".

Esse é uma indústria que está na fronteira de uma economia impulsionada por avanços em chips de alta tecnologia e de grande capacidade, produzidos com vários minerais, incluindo elementos químicos chamados terras-raras – esse é outro assunto relevante. Penso que podemos dizer que a espinha dorsal da economia digital, globalmente integrada, é a cadeia de suprimentos de semicondutores. Nesse sentido, eu diria que os chips são o “cérebro” dentro de todos os dispositivos eletrônicos.

Classificação e Aplicações

Segundo o relatório, embora as taxonomias da indústria normalmente descrevam mais de 30 tipos de categorias de produtos semicondutores, os mesmos podem ser classificados em três categorias amplas, vistas na figura abaixo.

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Fig. 1. Três Grandes Categorias dos Semicondutores.jpg

Os semicondutores são usados em todos os tipos de dispositivos eletrônicos e em várias aplicações que abrangem os principais setores da economia. Cada um desses mercados de aplicação, requer semicondutores de todas as três grandes categorias acima. O estudo cita o exemplo do celular para entendermos essa lógica: o celular tem praticamente conteúdo a) DAO (essencial para recursos como conectividade celular, câmera e gerenciamento de consumo de energia), b) conteúdo lógico (que inclui os microprocessadores que fornecem poder de computação crescente a cada nova geração de celular); e c) memória (para armazenamento de conteúdo digital no dispositivo).

Uma Cadeia de Abastecimento Global Integrada

A indústria de semicondutores possui uma cadeia de suprimentos global especializada, na qual as regiões desempenham papéis diferentes de acordo com suas vantagens comparativas. Segundo o relatório da BCG e SAI, os EUA lideram as atividades com maior intensidade de P&D - automação de design eletrônico (EDA), propriedade intelectual (IP), design de chip e equipamento de manufatura avançado. O Leste Asiático está na vanguarda da fabricação de wafer, o que requer investimentos maciços de capital, apoiados por incentivos governamentais, bem como acesso a infraestrutura robusta e força de trabalho qualificada. A China é líder em montagem, embalagem e teste, que exige menos qualificação e capital, e está investindo agressivamente para se expandir em toda a cadeia de valor.

Essa cadeia global, está presente em seis regiões principais - EUA, Coréia do Sul, Japão, China continental, Taiwan e Europa - que contribuíram cada uma com 8% ou mais, do valor total agregado pela indústria de semicondutores em 2019. Como mostra a figura 2, a jornada típica de um semicondutor envolve, senão a maioria, todas essas áreas geográficas em diferentes estágios durante o processo de projeto e fabricação. O mapa deixa claro que se trata de uma estrutura integrada e global, que depende dos recursos especializados de diferentes áreas geográficas.

Os EUA são líderes globais em design de dispositivos eletrônicos. A China (incluindo Taiwan) é o maior centro global de manufatura de dispositivos eletrônicos. A Europa é líder global em equipamentos de automação automotiva e industrial; o Japão é forte nesses dois setores e em eletrônicos de consumo; a Coreia do Sul também é uma força global em smartphones e outros produtos eletrônicos de consumo. Com essas informações dá para entender a figura 2.

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Fig. 2. Cadeia de Valor de um Processador de Aplicativo de Smartphone.jpg

Segundo o relatório, os semicondutores são o quarto produto mais comercializado no mundo, atrás apenas do petróleo bruto, petróleo refinado e carros. Nos próximos dez anos, a indústria precisará investir globalmente cerca de US$ 3 trilhões em P&D e despesas de capital, em toda a cadeia de valor, para atender à crescente demanda por semicondutores.

Especialização e Localização

A demanda por semicondutores é global, mas parte dela depende de como o ponto de origem da demanda é definido. Em última instância, considerando que os semicondutores geralmente são fornecidos pelos fabricantes de dispositivos eletrônicos, a demanda é impulsionada pelos usuários finais que compram os dispositivos eletrônicos.

É por isso que, do ponto de vista geográfico, existem três maneiras diferentes de enxergar a origem da demanda por semicondutores, com referência a pontos alternativos na cadeia global de suprimentos de eletrônicos: a localização da sede das fabricantes de aparelhos eletrônicos, o local onde o dispositivo é fabricado/montado, e a localização dos usuários finais que compram os dispositivos eletrônicos.

A Figura 3 mostra a distribuição geográfica da demanda global de semicondutores usando essas três lentes. As participações de países ou regiões são bastante diferentes, dependendo dos critérios. Veja que, pelo critério da sede do fabricante de dispositivos eletrônicos [A], os Estados Unidos geram 33% da demanda global de semicondutores, a China 26%, Europa e Japão com 10%. Sob o ponto de vista do critério onde o dispositivo é fabricado/montado [B], a China demanda 35% da demanda global, seguida dos EUA 19% e Taiwan 15%. Considerando o critério de localização dos usuários finais que compram os dispositivos, os EUA e a China são os maiores mercados de semicondutores.

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Fig. 3. Vendas Globais de Semicondutores por Localização Geográfica, 2019 (%).jpg

Vendas Globais de Semicondutores

Por último, mas não menos importante, aproximadamente 65% das receitas globais de semicondutores são de componentes de uso geral, utilizados em vários aplicativos. O que é possível depreender de tudo que essa indústria representa, é que todos os tipos de semicondutores são indispensáveis na economia de hoje, alimentando todos os tipos de dispositivos eletrônicos, como pode ser visto na figura 4. Observem que, do ponto de vista dos segmentos, 75% das vendas referentes a memória vão para celulares e infraestrutura de TIC (incluindo data centers e redes de comunicação), 22% das vendas são para o segmento de eletrônicos de consumo, apenas 6% vão para o segmento de automóveis.

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Fig. 4. Vendas Globais de Semicondutores por Mercado de Aplicativos, 2019 (%).jpg

A Semiconductor Industry Association (SIA), divulgou uma nota no dia 09 de junho/2021 informando que as vendas mundiais de semicondutores foram de US$ 41,8 bilhões em abril de 2021, um aumento de 1,9% em relação ao total de março de 2021, de US $ 41,0 bilhões e 21,7% a mais do que o total de abril de 2020, de US $ 34,4 bilhões. A SIA representa 98% da indústria de semicondutores dos EUA em receita, e quase dois terços das empresas de chips fora dos EUA.

Regionalmente, as vendas mensais aumentaram em todos os principais mercados regionais: Américas (3,3%), Japão (2,6%), China (2,3%), Europa (1,6%) e Ásia-Pacífico/Outros (+0,5%). Em uma base comparativa ano a ano, as vendas aumentaram na China (25,7%), Ásia Pacífico/Outros (24,3%), Europa (20,1%), Japão (17,6%) e Américas (14,3%).

Além disso, a SIA projeta que as vendas mundiais da indústria serão de US$ 527,2 bilhões em 2021, um aumento de 19,7% em relação ao total de vendas de 2020 de US$ 440,4 bilhões.

Comentários finais

Esse assunto é extremamente importante para entender a lógica do novo capitalismo e o funcionamento da economia digital. Sem essa compreensão, fica difícil compreender o jogo da geopolítica de poder – econômico, de segurança e de liderança global.

A Europa discute um projeto industrial ambicioso para entrar no jogo da fabricação de semicondutores, considerado estratégico. A ideia é dar autonomia ao continente e assim reduzir a vulnerabilidade da cadeia de fornecimento e os riscos geopolíticos. A Europa, dentro do plano de recuperação econômica Next Generation EU, reservou € 800 bilhões para alocar investimento público dos países membros ao setor de produção de chips.

Os EUA também estão empenhados em rever a produção de semicondutores e sua estratégia para a indústria.

Uma nova ordem está sendo construída.

Até mais!