Economia e Inovação

Por: Sudanês B. Pereira

Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.

A Economia Gig pode gerar US$ 455 bilhões até 2023

27/10/2022

A proliferação dos serviços sob demanda e a economia de plataformas estão mudando a maneira como vivemos, trabalhamos e compramos - serviços, mercadorias, comida. Em todo o mundo, a economia gig já se tornou um modelo em expansão do trabalho organizado por meio de plataformas digitais.

A economia gig e a economia de plataforma caminham juntas. Na verdade, um dos corolários do surgimento da economia de plataforma é o fenômeno da economia gig. De forma resumida, as plataformas são um novo modelo de negócio que se caracteriza por fornecer a infraestrutura para intermediar diferentes grupos de usuários, apresentam uma arquitetura central que governa as possibilidades de interação, e são impulsionados por efeitos de rede. Essas plataformas reúnem usuários, capturam e monetizam dados. De fato, as plataformas tornaram-se centrais para as atividades da gig economia.

Sob o ponto de vista do mercado de trabalho, já existem vários estudos mostrando o aumento de contratos de curto prazo, em vez de empregos permanentes ou estáveis. Além disso, o uso de ferramentas digitais no trabalho temporário também torna muitos trabalhos cada vez mais invisíveis. Importante registrar também que, enquanto algumas plataformas colocam os trabalhadores em contato com os clientes, outras são obscurecidas por aplicativos e sites.

Os autores Jamie Woodcock e Mark Graham (2020), referem-se ao termo “gig economy” para definir mercados de trabalho caracterizados pela contratação independente que acontece através, por meio (porque não se realiza ou não se mostra em sua totalidade), e em plataformas digitais. O tipo de trabalho oferecido é ocasional e não permanente. O trabalhador pode ter horas variáveis ​​e pouca segurança no emprego, envolver pagamento por peça/entrega e não ter opções de desenvolvimento de carreira. Esse relacionamento é às vezes chamado de contratação independente, freelancing ou trabalho temporário. Aqui aparece as plataformas, que fornecem ferramentas para reunir a oferta e a demanda de mão de obra, incluindo aplicativo, infraestrutura digital e algoritmos para gerenciar o trabalho. Essa relação, certamente afetará o trabalho de maneira mais ampla e profunda.

Como a gig economia abrange diversas formas de trabalho alternativo, e como a relação dela com as plataformas estão reconfigurando a natureza do trabalho, os pesquisadores Steven Vallas e Juliet B. Schor (2020), identificaram os tipos de emprego e as situações do mercado de trabalho que as plataformas suportam.

Os autores apresentam um conjunto de tipologias de trabalhadores de plataforma com base nos níveis de habilidade, da natureza do trabalho realizado, se é realizado on-line ou off-line, se está enraizado em uma determinada localidade ou disperso globalmente. Com base nessas taxonomias, Vallas e Schor (2020) identificaram cinco tipos de trabalho, reconhecendo sobreposições e limites variados entre eles.

A primeira categoria inclui os arquitetos e tecnólogos das plataformas, que são os fundadores, os funcionários altamente qualificados e contratados independentes. Esses trabalhadores projetam e mantêm as infraestruturas digitais das plataformas.

Uma segunda categoria de trabalho de plataforma é realizada por consultores ou freelancers - ‘baseado em nuvem’ - que oferecem serviços profissionais por meio de plataformas como UpWork ou Freelancer. Assim como arquitetos e tecnólogos, esses trabalhadores prestam serviços profissionais, mas são usuários e não criadores de plataformas. Seu trabalho geralmente não está vinculado a um local de trabalho individual ou local geográfico, embora alguns autores encontrem agrupamento geográfico em plataformas globais, especializadas em trabalho digital. Nessa categoria, encontra-se um alto nível de habilidade técnica em áreas como design gráfico e programação de computadores, com trabalhadores normalmente envolvidos em projetos específicos.

Uma terceira categoria são os trabalhadores temporários cujos serviços são contratados por meio de plataformas e geralmente executados offline, como entrega de alimentos, reparos domésticos e trabalhos de assistência. Esse arranjo proporciona ao prestador flexibilidade de horários e autonomia. No entanto, os trabalhadores temporários não possuem as proteções usufruídas pelos funcionários estáveis, e acabam por se adequar aos ritmos temporais da demanda dos clientes, o que pode reduzir substancialmente sua autonomia.

Um quarto tipo de trabalho de plataforma é realizado inteiramente online, envolvendo o que é chamado de microtarefa, representado por trabalhadores engajados, por exemplo, no Amazon Mechanical Turk (MTurk). Esses trabalhadores realizam tarefas de inteligência humana que os computadores não podem executar e que fazem parte do processo de aprendizado de máquina.

Por último, os autores identificaram um tipo final de trabalhador de plataforma, aqueles que existem nas mídias sociais, a exemplo dos produtores de conteúdo e influenciadores que realizam o “trabalho aspiracional”. Esse tipo de trabalho geralmente é fornecido sem remuneração, e o ‘trabalhador’ passa a ter a esperança de obter um nível suficiente de proeminência na “economia da atenção”, para estabelecer uma fonte regular de receita.

A Figura 1 apresenta a tipologia das categorias citadas acima. No topo da figura estão os arquitetos de plataforma, que normalmente não são usuários, mas construtores de plataformas de trabalho. As categorias de trabalhadores de plataforma estão abaixo deles. A dinâmica do mercado de trabalho e as condições de demanda variam entre os grupos.

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Fig. 1. Tipos de Trabalho na Economia de Plataforma

O Tamanho Global da Economia Gig

Segundo o estudo da Mastercard “Gig Economy Industry Outlook and Needs Assessment”, prevê-se que o tamanho das transações da economia gig global alcance US$ 455 bilhões até 2023, potencializada por fatores como o aumento das taxas de digitalização nos países em desenvolvimento e a rápida adoção de smartphones com o aumento do acesso à internet, expandindo o número de freelancers, a evolução do compartilhamento P2P de itens pessoais incentivando o compartilhamento de ativos subutilizados para fins lucrativos, entre outros. Ver o gráfico 1 com as projeções anuais para a economia gig global.

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Gráfico 1. Valor Bruto Projetado da Economia Gig Global por Ano (US$ bilhões)

Composição da Economia Gig

De acordo com a Mastercar, até o final de 2023, quando a economia gig global atingir US$ 455 bilhões, espera-se que a composição dos setores permaneça constante. Estima-se que os serviços baseados em transporte (entregas de restaurante, entrega de mercadorias, documentos, comida, etc) ainda lideram por uma margem significativa, seguidos pelos serviços de compartilhamento de ativos (compartilhamento de casa, de carros, barcos, vagas de estacionamento, de equipamentos P2P). No entanto, apesar da liderança contínua do setor de transporte, o segmento de compartilhamento de ativos deverá ter a maior taxa de crescimento - aumento de 133% em 5 anos.

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Gráfico 2. Comparativo do Valor Bruto Projetado para Economia Gig Global por Setor (US$ bilhões) (2018 e 2023)

De acordo com o estudo, embora se preveja que o crescimento da economia gig permaneça positivo globalmente, o grau em que esse crescimento pode acelerar varia de acordo com a região. A liderança dos EUA deve permanecer constante; no entanto, as regiões em desenvolvimento terão maior contribuição na economia gig global. A participação da Índia deve crescer 115% até 2023 e o Brasil tem um crescimento projetado de 129%. Em contraste, a França, sendo um mercado maduro da economia gig, estima-se que cresça 68% até 2023.

O Mercado de Trabalho na Economia Gig

No estudo “Fueling the global gig economy”, a Mastercard mostra que existe uma aceitação consolidada relacionada aos serviços gig, por consumidores e empresas, em parte impulsionada pelo aumento do boom dos serviços sob demanda pelos millennials, pelo aumento da diversificação de serviços, a exemplo do compartilhamento de viagens, e a terceirização por parte das corporações e das MPEs, de tarefas de curto prazo e/ou funções não necessariamente do business core, permitindo a contratação de trabalhadores da economia gig, em vez de funcionários em tempo integral. Esses fatores ajudam a acelerar a adoção de serviços gig, acarretando o aumento projetado de 80% do número de trabalhadores ativos participando da economia gig.

A Mastercad estima que com o aumento da demanda e uma força de trabalho crescente, os volumes de desembolsos salariais na economia gig global devem alcançar US$ 298 bilhões até 2023. Segundo os dados, os freelancers agora representam uma parcela maior da força de trabalho global, e espera-se que o número desses trabalhadores cresça para aproximadamente 915 milhões até 2023. Uma parcela significativa desses freelancers são 'gig workers', conectados a clientes e plataformas. Ver a tabela 1 com o comparativo das projeções nos anos de 2018 e 2023.

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Tab. 1. Projeções de Indicadores Selecionados da Economia Gig

Algumas considerações

A economia gig parece ser o “novo normal”, com os ‘serviços gig’ se tornando mais difundidos e, portanto, comoditizados, apresentados pelas plataformas digitais. De fato, é uma economia que gera um volume de recursos muito alto, assim como a sua potencial força na diversificação de novos serviços (on demand).

Porém, é fundamental uma regulamentação desses novos modelos de trabalho oriundos da economia digital, em especial da economia gig, que é uma força de trabalho fragmentária. Não obstante serem trabalhadores que utilizam plataformas digitais para se conectarem a clientes e/ou empresas, é uma força de trabalho constantemente conectada, porém, dispersa.

É óbvio que é necessário implantar ferramentas de comunicação digital para alcançar essa força de trabalho e formar novas redes e alianças de associações de trabalhadores, no sentido de desenvolver um diálogo social, com foco na negociação multi-empregador e setorial, característica da própria dinâmica da economia gig. Além de gerar novas formas de representação coletiva, é importante um marco regulatório adequado para o trabalho online.

Referências

International Labour Office. Trade Union Revitalization: Organizing new forms of work including platform workers. 2022.

Woodcock, Jamie. Graham, Mark. The Gig Economy. A Critical Introduction. Polity Press, 2020.

Mastercard. Fueling the global gig economy (2020).

Mastercard and Kaiser Associates. Gig Economy Industry Outlook and Needs Assessment, 2019.