Economia e Inovação

Por: Sudanês B. Pereira

Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.

A Economia Azul e as Oportunidades para o Desenvolvimento

31/05/2023
Imagem de frimufilms no Freepik

Cerca de 3 bilhões de pessoas vivem e dependem do oceano para alimentação e renda, em especial nos países costeiros em desenvolvimento. Mas os recursos marinhos estão ameaçados pelas mudanças climáticas, poluição e sobrepesca. Além disso, cerca de 11 milhões de toneladas de plástico fluem para o oceano a cada ano. Globalmente, 34% das unidades populacionais de peixes caíram para níveis biologicamente insustentáveis. Os pesquisadores estimam que a economia azul vale entre US$ 3 trilhões e US$ 6 trilhões e oferece vastas oportunidades para os países em desenvolvimento criarem resiliência.

Essas informações estão no relatório “Trade and environmenT review 2023. Building a sustainable and resilient ocean economy beyond 2030”, da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Como definir a “economia azul”? A Unctad entende a economia oceânica, ou “economia azul”, como “um caminho em direção a um desenvolvimento econômico mais sustentável e inclusivo no ambiente marinho e costeiro. Abrange todas as indústrias que utilizam e contribuem de forma sustentável para a conservação dos oceanos, mares e recursos costeiros para benefício humano, de forma a manter todos os recursos oceânicos ao longo do tempo”.

Para a agência, os setores da economia azul têm grande potencial de crescimento sustentável, para extrair riqueza, agregar valor e criar empregos. Esses setores incluem pesca marinha tradicional, aquicultura marinha e costeira, construção naval, turismo marinho e costeiro, e transporte marítimo.

Nas últimas décadas, novos setores econômicos da economia azul foram aparecendo, notadamente baseados em bens e serviços relacionados com alta tecnologia e inovação. Incluem, por exemplo, serviços ambientais marinhos e costeiros, energias renováveis, biotecnologias marinhas e bioprospecção de moléculas e produtos para as indústrias farmacêutica, cosmética, e indústrias de rações e alimentos.

A importância das atividades econômicas oceânicas varia de um país para outro, dependendo da geografia, história, circunstâncias políticas, sociais, culturais e econômicas, e da visão e políticas nacionais adotadas por cada país para refletir suas próprias prioridades e interesses.

Dimensionando a Economia Azul

Em 2020, o valor das exportações de bens oceânicos –, incluindo pesca, frutos do mar, navios e equipamentos portuários, e serviços como transporte marítimo e turismo costeiro –, foi estimado em US$ 1,3 trilhão, com exportações de produtos derivados do oceano estimadas em US$ 681 bilhões e exportações de serviços baseados no oceano em US$ 628 bilhões. Em 2020, as exportações de transporte marítimo, manufaturas de alta tecnologia e navios superaram as exportações de serviços de turismo marítimo e costeiro devido à queda acentuada do turismo internacional. Ver o gráfico 1 com as exportações por categoria de bens e serviços marítimos em 2020.

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Fig.1. Valores das exportações em setores da economia oceânica em 2020 (US$ bi)

Ao olhar para os principais exportadores da economia azul, a União Europeia é de longe o maior exportador mundial de bens e serviços derivados do mar, com US$ 459 bilhões em exportações. Alguns de seus estados membros são líderes em exportações de produtos pesqueiros oceânicos, como Dinamarca, Holanda e Espanha, enquanto outros dominam manufaturas, como Alemanha e França. Os países do sul da Europa, como Espanha, Itália e Grécia, lideram as chegadas de turistas internacionais.

A China vem em segundo lugar com US$ 160 bilhões em exportações em 2020, seguida pelos Estados Unidos da América com US$ 84 bilhões. Ver a figura 2 abaixo.

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Fig. 2. Os 10 maiores exportadores da economia oceânica (2020)

Considerando os países em desenvolvimento, a Índia, excluindo a China, é o maior exportador de bens e serviços marítimos em 2020, com US$ 34 bilhões, seguida por Turquia (US$ 19 bilhões) e Tailândia (US$ 17 bilhões). Segundo o relatório, a maioria dos dez principais países em desenvolvimento, exportadores da economia azul, tem uma base de exportação diversificada, alguns países se especializam em determinados setores, como o Panamá (serviços portuários, infraestrutura relacionada e serviços logísticos) e o Chile (pesca marítima, aquicultura e incubatórios).

Para a Unctad, a diversificação das exportações oceânicas pode oferecer oportunidades para um rápido crescimento das exportações e resiliência econômica. O Vietnã e o México, por exemplo, são líderes nas exportações de produtos marítimos, mas ainda têm um setor de exportação de frete marítimo muito pequeno. Por outro lado, o Marrocos e o Brasil têm um forte setor de serviços marítimos e se beneficiariam com o investimento em sua capacidade de exportação de mercadorias marítimas. Em 2020, o Brasil exportou US$ 7 bilhões em bens (US$ 2 bi) e serviços marítimos (US$ 7 bi). Ver a figura 3.

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Fig. 3. Os 10 principais países em desenvolvimento como exportadores da economia oceânica

Estado da pesca marinha e aquicultura

Todos sabemos que a pesca e a aquicultura contribuem significativamente para a segurança alimentar e nutrição, emprego, comércio, cultura e desenvolvimento econômico no mundo.

Porém, nas últimas décadas a pesca marinha sofreu com a sobrepesca, causada pelo excesso de capacidade e pesca ilegal - não declarada e não regulamentada. A poluição e a degradação do habitat, que são causadas em grande parte por políticas de manejo ineficazes e falta de fiscalização, também impactaram a pesca marinha.

Em muitos países em desenvolvimento, os fatores restritivos incluem falta de capacidade institucional e humana nos setores público e privado, complexidades na gestão da pesca costeira, perdas pós-colheita, regulamentos de segurança mal desenvolvidos para embarcações de pesca e indústrias pesqueiras nacionais subdesenvolvidas, para a colheita e processamento de recursos offshore.

Com base em estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), ˜The State of World Fisheries and Aquaculture 2022˜, sobre estoques de peixes comerciais, a parcela de estoques de peixes capturados dentro de níveis biologicamente sustentáveis diminuiu de mais de 90% em 1974 para 65,8% em 2017, piorando em 1,2% para 64,6% em 2019. Isso significa que, no último meio século, 35,4% dos estoques de peixes foram pescados em um nível biologicamente insustentável.

Segundo o relatório da Unctad, a produção global de pesca marinha e aquicultura atingiu o recorde histórico de 214 milhões de toneladas em 2020, compreendendo 178 milhões de toneladas de animais aquáticos e 36 milhões de toneladas de algas. Das 178 milhões de toneladas de animais aquáticos produzidos, 112 milhões de toneladas foram provenientes de águas marinhas e 67 milhões de toneladas de águas interiores.

Cerca de 70% dos produtos marinhos são provenientes da pesca de captura e 30% da aquicultura marinha. O valor da captura de peixes da pesca marinha e da aquicultura foi estimado em US$ 406 bilhões em 2020, compreendendo US$ 141 bilhões para pesca de captura e US$ 265 bilhões para aquicultura.

Os setores oceânicos emergentes - oportunidades para os países em desenvolvimento

O relatório destaca dois setores sustentáveis emergentes - algas e substitutos de plásticos - que oferecem enormes oportunidades para os países em desenvolvimento atrair investimentos, criar empregos e diversificar suas economias oceânicas.

As algas podem crescer sem água doce ou fertilizante, além de capturar enormes quantidades de CO2. De acordo com o relatório, o mercado global de algas mais do que triplicou em duas décadas, passando de US$ 4,5 bilhões em 2000 para US$ 16,5 bilhões em 2020. Elas podem ser cultivadas para alimentos, cosméticos e biocombustíveis, e podem ser usadas como uma alternativa ao plástico.

O relatório mostra que as exportações globais de plásticos atingiram cerca de 369 milhões de toneladas em 2021. Mas a natureza é abundante em materiais sustentáveis que poderiam ser usados para fazer versões ecológicas dos produtos plásticos que consumimos diariamente. Além das algas, a lista inclui bambu, bananeiras e resíduos agrícolas.

A Unctad estima que o mundo negociou em 2020 cerca de US$ 388 bilhões em substitutos de plásticos de origem mineral, vegetal ou animal, tanto na forma de matérias-primas quanto em produtos de valor agregado. Embora esse já seja um mercado considerável, é apenas um terço da quantidade comercializada em plásticos feitos a partir de combustíveis fósseis. Portanto, há um enorme potencial de crescimento. Dois terços das exportações globais de substitutos plásticos estão na forma de matérias-primas que muitos países em desenvolvimento têm em abundância. Ver a figura abaixo com a valoração do comércio de substitutos plásticos.

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Fig. 4. Comércio de substitutos do plástico: seu o valor agregado (US$ bi) - 2020

Algumas sugestões da Unctad

A Unctad recomenda inúmeras ações e medidas para avançar e apoiar uma economia azul sustentável no âmbito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, cito aqui apenas algumas.

[1] Governos e empresas aumentem o financiamento para a pesquisa e desenvolvimento de setores sustentáveis emergentes na economia oceânica.

[2] Para países em desenvolvimento promover a diversidade de suas economias oceânicas, investindo na capacidade de exportar bens oceânicos e apoiando atividades de fabricação, como frutos do mar processados.

[3] Que governos possam alinhar políticas oceânicas entre setores, como pesca e transporte, para aumentar a competitividade das exportações.

[4] Que empresas invistam em países em desenvolvimento para reforçar suas tecnologias e habilidades, e possam capitalizar novas oportunidades oceânicas.

[5] Que empresas possam construir cadeias de valor mais curtas e resilientes, e promovam o uso de remessas sustentáveis.

[6] Que os governos possam garantir que a criação de algas marinhas seja feita de maneira a proteger os ecossistemas marinhos e criar empregos para as comunidades costeiras.

[7] Que os países finalizem as negociações do tratado da ONU sobre o fim da poluição plástica e criar incentivos comerciais para substitutos baseados na natureza.

[8] Limite urgentemente a lacuna de financiamento oceânico, aumentando o investimento em setores sustentáveis emergentes e promovendo financiamento misto para melhorar a cooperação entre atores públicos e privados.

¡Excelente semana!