Economia e Inovação

Por: Sudanês B. Pereira

Economista, com formação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Mestre em Geografia (desenvolvimento regional) e Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Experiências no setor governamental (municipal e estadual), setor privado (Associação Comercial Empresarial de Sergipe - ACESE e Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo - Fecomércio), foi professora substituta no Departamento de Economia na UFS, pesquisadora e uma das fundadoras do Núcleo de Propriedade Intelectual, hoje Cintec-UFS.

A Corrida da Europa para Incentivar Empresas Deep Techs

27/06/2023
Freepik

Em 2021, a União Europeia (UE) reuniu as instituições acadêmicas para um diálogo no sentido de melhorar a colaboração entre os diferentes atores do ecossistema de inovação para apoiar as startups de Deep Tech mais promissoras da Europa. Uma série de questões-chave permearam o encontro:

● Como a Deep Tech está evoluindo? Qual é o estado da Deep Tech europeia?

● Quais são as áreas emergentes em Deep Tech?

● Como podemos acelerar ainda mais a tecnologia profunda europeia?

● Podemos liderar o potencial da academia e da pesquisa científica?

Desde então, a UE faz um acompanhamento dessas tecnologias e divulga relatórios para a comunidade. O artigo de hoje vai mostrar um pouco os resultados do relatório “The European Deep tech Report, 2023 edition”.

O que é uma Deep Tech

Deep Tech são tecnologias complexas que tem como propósito a resolução de problemas de alto impacto. São tecnologias que se constroem nas fronteiras da ciência. O que é Deep Tech hoje não é necessariamente Deep Tech amanhã, uma vez que a tecnologia ou produto não é mais novidade e à medida que a empresa cresce, o que antes era Deep Tech torna-se tecnologia regular. O fato é que, ao dar vida a novas tecnologias, a deep tech cria de fato novos mercados e permite crescimento econômico.

A figura abaixo ilustra alguns exemplos dos atuais e principais domínios de Deep Tech, segundo o relatório European Deep Tech 2023.

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Fig. 1. Os Atuais e Principais Domínios de Deep Tech (Europa)

O relatório também cita outros segmentos de tecnologia profunda que não estão nessas 4 áreas acima, e incluem, por exemplo: biologia sintética, materiais avançados, robótica, transporte, tecnologia de alimentos e agrotecnologia, e segurança cibernética. Para o relatório, a biotecnologia é excluída da definição de Deep Tech, exceto para alguns segmentos biologia de última geração que usam IA, genômica e outras novas modalidades.

Entre 2023 e 2025, a Deep Tech Talent Initiative treinará um milhão de europeus nas habilidades necessárias para entrar em campos de tecnologia profunda como IA, computação quântica, semicondutores e outras áreas deep tech que manterão a Europa na vanguarda da inovação global.

Empresas Deep Tech

O termo 'deep tech' foi criado em 2014 por Swati Chaturvedi, CEO da companhia de investimentos Propel(x), para definir uma nova categoria de startups que se baseiam em descobertas científicas tangíveis e que têm a capacidade de causar desordem em diversos mercados.

Nesse sentido, as startups de tecnologia profunda são empresas que trabalham na fronteira do desenvolvimento tecnológico, geralmente com soluções que levam muito tempo para atingir maturidade de mercado e requerem alto investimento de capital.

O relatório mostra que as startups de tecnologia profunda seguem uma trajetória de crescimento diferente de outras startups de tecnologia - têm ciclos de P&D mais longos e levam mais tempo e capital para serem construídas do que as startups comuns. Essas empresas enfrentam altos gastos de capital (CapEx) por várias razões:

a) As empresas deep tech lidam com o mundo dos átomos (não dos bits) e, portanto, precisam gastar quantidades significativas de seus orçamentos comprando equipamentos e espaço de laboratório.

b) Ao contrário das empresas de software, onde os engenheiros podem enviar correções de bugs e melhorias de produtos para os servidores instantaneamente, as empresas de tecnologia profunda devem obter o produto perfeito antes de qualquer uso do cliente.

c) As empresas deep tech precisam cumprir os regulamentos antes de entrar no mercado, e a aprovação regulatória leva tempo e dinheiro.

d) Cada novo estágio de desenvolvimento (pesquisa → protótipo → implantação → escala comercial) apresenta novos desafios de desenvolvimento técnico.

Contudo, nos últimos anos, uma série de vetores para startups de tecnologia profunda surgiram para mitigar o risco de financiamento: 1) novos fundos de capital de risco - estendem sua vida útil de retorno além dos VC tradicionais; 2) em 2021, muitas empresas de tecnologia profunda se tornaram públicas por meio de fusões SPAC (empresa de aquisição de propósito especial); 3) financiamento não dilutivo - são fontes de capital que não possuem nenhuma participação acionária necessária da empresa.

Muitas histórias de sucesso de tecnologia profunda têm suas raízes na academia e receberam apoio inicial de subsídios do governo. Mesmo assim, a UE necessita diminuir a lacuna entre os EUA e a China (maiores investidores em deep tech), por isso a importância de promover uma cultura empreendedora nos campi, treinando empreendedores acadêmicos iniciantes e técnicos de transferência de tecnologia, e oferecendo negócios mais simples e rápidos.

Destaques do The European Deep Tech Report 2023 Edition

[1] As startups europeias de Deep Tech arrecadaram US$ 17,7 bilhões em 2022, 22% menos que o total de 2021, porém, mais de 60% em relação à 2020. Ver o gráfico 1.

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Gráfico 1. Investimento de Capital de Risco em Startups Europeias de Deep Tech

[2] Quatro segmentos emergentes de deep tech arrecadaram US$ 4,4 bilhões em 2022, o dobro de 2020, como mostra o gráfico abaixo.

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Gráfico 2. Investimento de VC nos Principais Segmentos Emergentes de Deep Tech na Europa (2022)

[3] A Deep Tech é o 2º segmento mais promissor em capital de risco, atrás apenas do Planet Positive - agência de gestão de carbono que ajuda as empresas a medir, reduzir e compensar sua pegada de carbono enquanto envolve seus stakeholders. Ver o gráfico 3 logo abaixo.

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Gráfico 3. Temas mais Promissores para Investimentos de VC na Europa

[4] As startups Deep Tech e Climate Tech arrecadaram US$ 6,1 bilhões em 2022. A Climate Tech representa uma proporção crescente do financiamento da Deep Tech, passando de 6% em 2016 para 34% em 2022. O relatório mostra, a título de exemplo, que a startup Northvolt, de fabricação de bateria EV, arrecadou US$ 1,1 bi, a Climeworks, de captura e armazenamento de carbono, arrecadou US$ 600 mi. Ver gráfico 4 abaixo com a evolução dos investimentos VC em deep tech na Europa.

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Gráfico 4. Investimento de Capital de Risco em Startups Europeias de Deep Tech x Climate Tech

O gráfico abaixo mostra que o Reino Unido é o principal país da Europa que mais investe em Deep Tech, seguido pela França, Alemanha e Suécia. Embora apareça no quinto lugar em relação ao investimento VC em deep tech, a Suécia teve o maior crescimento (85%) de investimento em relação ao ano de 2021, a Espanha (39%) ficou em segundo lugar. Isso mostra o quanto os países do bloco estão pensando estrategicamente sua competitividade, impulsionando inovações.

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Gráfico 5. Investimento VC em Deep Tech 2022 (% de crescimento vs 2021)

[5] Há um forte apoio público à Deep Tech na Europa. A figura abaixo ilustra alguns programas da União Europeia e das três maiores economias da Europa, mas a maioria dos países europeus tem políticas dedicadas para apoiar a Deep Tech, de pioneiros como Suíça, Holanda e países nórdicos a quase todos os outros estados da Europa.

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Fig. 2. Exemplos de Programas de apoio à Deep Tech na Europa

Diversos programas estão sendo desenvolvidos para impulsionar a inovação via deep tech. Reino Unido, Alemanha, França e Suécia possuem os maiores ecossistemas Deep Tech da Europa. Leuven, Lausanne, Oxford, Zurique, Dresden e Cambridge lideram por patentes orientadas para Deep Tech. No geral, o Reino Unido lidera, seguido pela Alemanha, França e Suíça. As categorias de patentes consideradas de acordo com a taxonomia tecnológica são: Energia (baterias, células de combustível, nuclear, fotovoltaica, turbinas eólicas), informação (impressão 3D, AR & VR, blockchain, processamento de imagem, ML, reconhecimento de fala, ciências da vida (robótica cirúrgica), mecânica (robótica), semicondutores (litografia, memória, processadores, substratos, transistores), Sensor e óptica (laser).

No entanto, o relatório mostra que existem obstáculos consideráveis no caminho da pesquisa científica acadêmica para a comercialização escalável na Europa. A figura abaixo mostra os pontos fortes, os desafios e as oportunidades.

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Fig. 3. Os Desafios da Europa para Impulsionar a Deep Tech

Alguns Pontos para Refletir

[1] O caso da Europa serve de inspiração para o Brasil, mas também para qualquer ecossistema local de inovação. Sem planejamento, estratégia, articulação entre governo, academia, setor privado e sociedade, é difícil alcançar competitividade e desenvolvimento econômico e social.

[2] O papel do governo é fundamental. Engana-se quem ainda pensa que o Estado não é importante como um agente indutor do desenvolvimento. Todos os países que hoje são desenvolvidos tiveram o Estado como ator principal na condução de políticas públicas inovativas. O Estado foi crucial nas revoluções tecnológicas mais recentes do mundo, como mostra a Mariana Mazzucato em seu livro "O Estado Empreendedor", visto que o Estado empreendedor investe em áreas que o setor privado não investiria mesmo de posse de recursos.

[3] O papel do Estado não se limita à criação de conhecimento, mas deve envolver a mobilização de recursos que permitam a difusão do conhecimento e da inovação por todos os setores da economia. Ou seja, não basta ter um sistema nacional de inovação e atuar na correção de falhas, o Estado precisa também comandar o processo de desenvolvimento industrial, criando estratégias para o avanço tecnológico em áreas prioritárias. É assim que as economias avançadas sempre fizeram e continuam fazendo.

[4] O mais importante, e não somente o relatório revela, mas também outras pesquisas atuais sobre inovação, é que todo o estado de arte tecnológico do mundo contemporâneo (TICs, internet, biotecnologia, tecnologias espaciais, energias limpas etc.) se desenvolveu graças ao Estado, que, longe de corrigir falhas, catalisou investimentos, eliminou riscos (atentem empresários!!) e transformou suas economias.