Desafio de Chávez é manter políticas sociais com crise

Chávez ganhou o apoio popular ao romper com o sistema bipartidário que controlava a política do país e alavancou o desenvolvimento social com a renda do petróleo, que pode ser ameaçado com a crise financeira.

30/09/2015 19h02
Desafio de Chávez é manter políticas sociais com crise
A8SE

O surgimento do governo do presidente Hugo Chávez, que completou dez anos nesta segunda-feira, 2, inaugurou uma nova era política na Venezuela. A conclusão é do pesquisador Luis Fernando Ayerbe, professor de História da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Para o especialista, Chávez ganhou o apoio popular ao romper com o sistema bipartidário que controlava a política do país e alavancou o desenvolvimento social com a renda do petróleo, que pode ser ameaçado com a crise financeira.

O controverso presidente colecionou desavenças, mas na última década, a Venezuela experimentou um crescimento no produto interno bruto (PIB) sem precedentes na América Latina: em 2008, o aumento foi de 5,4%. Em 1998, de acordo com dados oficiais, a economia venezuelana estava praticamente estagnada, crescendo apenas 0,3%. A pobreza também caiu. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), 20,1% dos venezuelanos viviam na pobreza extrema em 1998, enquanto em 2007 esse índice era de 9,5%.

"Antes dele, a Venezuela tinha dois partidos [Copei e Aliança Democrática], que praticamente controlavam o poder em um sistema bipartidário. O surgimento de Chávez, com o Movimento Quinta República, significou uma ruptura dessa tradição. Foi um fenômeno novo, que rapidamente capitalizou um grande apoio popular e inaugurou uma nova fase no sistema político venezuelano", aponta.

O desenvolvimento foi alavancado pelo aumento do preço do petróleo, principal produto de exportação do país, que é o quinto maior fornecedor mundial. "Quando Chávez assumiu o preço do petróleo estava muito baixo, e então houve uma fase de alto crescimento. Isso se reverteu numa era de bonança para a economia venezuelana", explica Ayerbe. "A utilização da renda petroleira para fortalecer programas que reforçam a capacidade de consumo da população mais pobre e em projetos sociais foi um elemento importante para esse governo."

Hugo Chávez também teve papel de destaque na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), articulando políticas de corte de produção que ajudaram a elevar o preço do barril. Essa situação favorável, no entanto, vê-se ameaçada com a recente depreciação do óleo que sustentou os programas sociais venezuelanos. "O grande desafio, não só para a Venezuela como também para outros países, é manter suas políticas sociais nesse clima de queda nas exportações", comenta o analista. "Há uma crise financeira internacional, e no caso de Chávez especificamente ele apostou muito na utilização da renda petroleira como um fator de política externa, inclusive com ajuda a Cuba. Muitas vezes ele tem sido criticado na Venezuela porque havia necessidades internas e não existiam recursos suficientes."

Reeleição sem limites

Para Ayerbe, a queda no preço do petróleo e a iminência da crise econômica atingir a Venezuela são fatores que levam Chávez a buscar a mudança na Constituição que lhe permite continuar indefinidamente na presidência. A questão é "descobrir como lidar com uma situação que já não é favorável para o petróleo. Até o ano passado havia um clima bastante favorável e ele vinha se fortalecendo com os setores populares", comenta.

O analista, porém, acredita que devido à forma pela qual a má fase econômica está sendo apresentada na Venezuela, o cenário não deve minar o apoio popular ao presidente. "Uma crise não significa que ele vai perder apoio entre os setores populares, mas dará munição aos conservadores. A crise está sendo colocada como algo que vem de fora, dos Estados Unidos, e as alternativas que os conservadores estão propondo não são mais benéficas para a classe popular que as de Chávez", afirma.

Sobre o referendo do dia 15, quando o projeto constitucional de Chávez irá às urnas pela segunda vez, o professor acredita em uma vitória, mas alerta para suas consequências. "Em 2007, Chávez perdeu porque muitos de sua base de apoio não foram votar. Mas os setores de oposição se fortaleceram em 2008, e há um forte movimento que diz que se a reforma constitucional já foi derrotada, não tem que ser votada novamente", explica.

"Não vejo tanto problema de que ele não vá conseguir aprová-la em termos de apoio na votação, se ele mobilizar sua base, creio que irá conseguir. O problema neste caso é o que isso sinaliza para os setores de oposição, de que ele poderá ficar indefinidamente no poder. Isso pode gerar forças antagônicas que vão criar alternativas a Chávez", continua Ayerbe, que descarta um impasse drástico com a oposição em protesto a Constituição como o que aconteceu na Bolívia. "Há uma série de mecanismos que, quando surgem movimentos desse tipo, despertam a solidariedade de países sul-americanos para manter a normalidade A alternativa para a oposição será boicotar o regime, com políticas que tornam a continuidade do governo bastante inviável, mas sem golpe."

Relação com EUA

Durante seu governo, o presidente venezuelano buscou relações com países como Rússia e Irã, firmando parcerias para compra de armamento e acordos nucleares, que foram vistas com cautela pelos EUA. Segundo o professor, os laços foram "problemáticos". "Uma coisa é manter relações comerciais sem condicionar sua agenda por questões ideológicas. Outra é buscar vínculos explicitamente, como Chávez, com Rússia e Irã em uma perspectiva de deixar claro que o objetivo é enfraquecer os EUA", indica.

Para o pesquisador, a maneira personalista de Chávez governar dificulta as relações externas da Venezuela. "Decisões que ele toma como expulsar o embaixador dos EUA em solidariedade a Evo Morales foram tomadas por uma pessoa", não pelo governo. "Você não imagina Lula, por exemplo, anunciando ações desse tipo. São medidas que deveriam ser tomadas sob um processo de discussão interna, junto ao Parlamento", acrescenta.

Sob o governo do novo presidente americano Barack Obama, Ayerbe prevê melhoras nas relações bilaterais. "O governo Obama gera uma situação de expectativa. No meu ponto de vista, Chávez e Obama devem aproveitar esse momento para eliminar atritos desnecessários". Entretanto, o analista ressalta que a forma como o líder venezuelano vem se comportando a suas medidas o tornam "um pouco imprevisível". "Essa situação favorável com Obama pode ser interrompida a qualquer momento", conclui.

Fonte: Estadão

 

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