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Black Money: movimento favorece negócios de pessoas negras

Conectar pessoas negras de diversas profissões para fortalecer o empreendedorismo e a circulação de recursos financeiros entre a comunidade negra, assim pode ser parcialmente resumido o movimento Black Money , que coloca em rede não apenas produtos e serviços de pessoas negras, mas também estimula a valorização da negritude e o pertencimento social.

Segundo Nina Silva, uma das fundadoras do Black Money , entre os fundamentos do movimento estão o de favorecer os negócios de pessoas negras, segundo a premissa "se não me vejo, não compro” e também fazer com que o consumidor negro tenha as suas necessidades satisfeitas por empreendedores negros.

“Há 3 anos fundei o Movimento Black Money junto com meu sócio Alan Soares e desde então utilizo do nosso background para apoiar empreendedores negros e negras em seus negócios com objetivo de buscar autonomia da população negra no Brasil com pontes e influências junto a outros países”, contou Nina.

Ou seja, o Black Money reforça a importância de utilizar o poder de compra dos afrodescendentes e investir na própria comunidade de afro empreendedores. Dessa forma, o dinheiro se mantém circulando entre as pessoas negras por mais tempo, gerando emprego, renda e também, promovendo assim, a integração dessa população ao sistema financeiro.

“Qual é a riqueza, o que você tem dentro de você e o que você pode fazer no seu dia a dia para enriquecer e investir na sua própria comunidade, é isso o que o movimento coloca”, diz Nina

Formada em administração e especializada em tecnologia, Nina é considerada uma das 100 pessoas afrodescendentes com menos de 40 anos mais influentes do mundo ao receber o prêmio Most Influential People of African Descent (MIPAD) da Organização das Nações Unidas e também já foi eleita uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil pela Forbes.

“Nasci no Jardim Catarina, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, na época, a maior favela plana da América Latina. Desde muito nova, sempre me espelhei na minha irmã, seis anos mais velha e a primeira da família a cursar faculdade”, relatou. “Comecei a trabalhar muito cedo, para ajudar em casa, em uma empresa onde tive meu primeiro contato real com o universo da tecnologia: fui convidada para fazer parte da implementação de um sistema integrado de gestão empresarial, o ERP [ Enterprise Resource Planning ] da SAP [empresa alemã da área de tecnologia]”, disse.

Em mais de 17 anos de experiência na área, ela trabalhou em multinacionais fora do país e liderou equipes de 60 pessoas. Nina disse que, mesmo tendo conseguido sucesso na sua carreira, chegou a passar por muitos episódio de racismo e misoginia. Ela também relata que vivenciou a falta de reconhecimento dos seus pares nas instituições por onde passou, onde geralmente, a maioria dos profissionais de ponta era branca.

“Se você é preto, você é o pior; se você é mulher, você sabe menos; se você é pobre, você não tinha que estar aqui. Como eu sempre fui essas três coisas juntas, ser perfeita era, no mínimo, minha obrigação, sabe?!”desabafou.

Segundo ela, a busca por perfeição levava a picos de stress , além da falta de retorno financeiro como dos demais homens brancos que ocupavam os mesmos cargos. Essa situação a levou a uma crise de síndrome de burnout , transtorno psíquico relacionado ao trabalho e que tem entre os sintomas depressão, esgotamento físico e mental, sentimento de incapacidade.

Nina disse que o movimento Black Money foi inspirado em experiências que vivenciou nos Estados Unidos, onde morou um tempo, e também no Panafricanismo, com a proposta de deixar o capital financeiro e social circulando o maior tempo possível na comunidade negra.

“Cheguei [na carreira] a ser responsável pela gestão de portfólios, mas por falta de propósito e reconhecimento cheguei ao burnout . Fui morar em Nova York e comecei uma busca por pertencimento. Fiz benchmark nas comunidades negras norte-americanas sobre a importância dos black businesses, o que ajudou anos depois, mais precisamente em 2017, a fundar o Movimento Black Money ”, relatou.

Nina conta que apesar de os negros representarem 56% da população brasileira, 53% dos empreendedores e consumirem cerca de R$ 1,8 trilhão ao ano, eles ainda estão longe dos espaços de poder e recebem menores salários, com a diferença de renda entre brancos e ricos podendo chegar a 40%.

Ela lembra ainda que os negros também constituem a maior parcela entre o contingente dos 10% mais pobres, são 67% dos desempregados e possuem o crédito 3 vezes mais negado nas instituições bancárias tradicionais.

“Negros movimentam uma renda própria de R$ 1,9 trilhão por ano, mesmo assim, a média salarial de um empreendedor negro equivale à metade da média de remuneração de um empreendedor branco” disse Nina. “Cerca de 85% dos nano e microempreendedores negros da nossa rede em pesquisa declararam que não vendem pela internet e que tiveram o faturamento reduzido a menos de R$ 1 mil por mês durante a pandemia, sendo estes estabelecimentos a fonte principal de renda familiar”, acrescentou.

Para fazer diferente, o movimento, segundo Nina, trata a população afrodescendente como mercado de nicho e compreende que trata-se da maior parte do mercado. Daí a ideia de ter uma cadeia produtiva onde negros e negras sejam donos dos meios de produção.

Por isso o movimento esta baseado em três pilares: foco em comunicação, educação e geração de negócios pretos, tendo o uso da tecnologia como um dos métodos utilizados para gerar sinergias, para favorecer o empoderamento negro conectando empreendedores e consumidores.

“Eu vejo a tecnologia muito voltada para humanas, muito voltada ao entendimento do que são as pessoas, do que são as necessidades das pessoas e como a gente pode melhorar a vida delas a partir da tecnologia”, afirmou Nina.

Para tanto, o site é a plataforma responsável por unir os braços do movimento e fomentar o desenvolvimento do ecossistema do empreendedorismo negro em um marketplace pelas duas pontas: a do “afroempreendedorismo” e a do “afroconsumo”.

Além disso, no site há diversos profissionais cadastrados, esteticistas, donos de restaurante, personal trainer , endocrinologistas, dentistas, corretores de imóveis, advogados, fisioterapeutas, entre outros.

“Até aqui se criou um marketplace com 300 lojistas negros, vendendo online sem mensalidade, sistemas de pagamento e um portal e redes que já atingem mais de 80 mil pessoas por mês com conteúdos de diversas áreas como marketing digital, finanças, inovação e vendas, além de cursos em tecnologia para centenas de bolsistas oriundos de contextos periféricos”, disse.

Na página do movimento é possível ter acesso aos projetos desenvolvidos pelo Black Money . Entre eles, o Afreektech, braço educacional que busca desenvolver, por meio de cursos próprios e parcerias, novas habilidades e competências em empreendedoras e jovens negros.

Também há um um projeto voltado para encontros entre empreendedores e profissionais, chamado de StartBlackUp , que tem por finalidade formar conexões com investidores; e uma startup de serviços financeiros para consumidores e empreendedores negros, o D’BlackBank .

Por meio da startup , o movimento disponibiliza um maquininha de cartão preta, com taxas menores e voltada para os empreendedorismo negro e que já funcionam em afronegócios de dez cidades brasileiras. Para 2021, o plano é lançar o próprio cartão de crédito, funcionando com as bandeiras tradicionais, e as contas digitais do The Black Bank .

Todos os nossos projetos são focados no empoderamento da comunidade negra e no letramento racial onde pessoas brancas devem atuar de maneira ativa na luta antirracista. Nossa comunicação é pautada na elucidação das desigualdades raciais como agravante social da sociedade brasileira, mas com diretrizes propositivas tanto de projetos como eventos no entorno de educação, comunicação, empregabilidade e empreendedorismo da comunidade negra”, afirmou Nina.