Gilles Lapouge: Teerã mexe sua peça no tabuleiro

Governo iraniano anuncia retomada de negociações sobre seu programa nuclear

30/09/2015 19h39
Gilles Lapouge: Teerã mexe sua peça no tabuleiro
A8SE

O Irã quebrou um grande silêncio. Desde que o presidente americano, Barack Obama, "estendeu a mão" para Teerã, essa mão continua estendida no vazio. Na terça-feira, 1º, o Irã respondeu. E falou da questão nuclear, isto é, dos esforços que empreende há seis anos para dotar-se de energia nuclear - "para uso civil", diz o Irã. E o Ocidente retifica: "Energia nuclear para uso civil que camufla um uso militar."

Quem falou foi o principal negociador de assuntos nucleares, Saeed Jalili: "O Irã preparou uma proposta nuclear atualizada e está pronto para retomar as negociações com as potências mundiais." Quais são essas propostas novas? Mistério. Jalili cultiva o "segredo", que, com a "mentira", é uma das maiores produções do Irã.

Em compensação, Jalili disse por que o Irã fez essas ofertas ontem. "Após a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, o Irã dispõe de poder suficiente e sustentação popular para fazer uma nova oferta."

Essa mensagem, de tão grotesca, parece uma palhaçada. O mundo inteiro sabe que as eleições de junho foram um desastre e levantaram o povo contra a fraude e contra Ahmadinejad, que só recuperou o controle das ruas com sua violenta milícia e, depois, com processos judiciais imundos.

É preciso procurar as razões para essa "mão" que parece estar estendida (embora frouxamente) para o Ocidente. É perfeitamente possível que Teerã tenha se sentido encurralado e instigado a negociar (ou a dar a impressão) por ver-se estrangulado por prazos implacáveis.

Obama, quando lançou sua ofensiva do sorriso, acoplou a ela uma data limite. A mão permaneceria estendida até o fim de dezembro, após o que, se Teerã não a pegasse, Obama a retiraria e a situação voltaria a um enfrentamento duro. A paciência de Obama não foi aprovada por seus aliados europeus, que o convenceram a esperar até o fim de setembro. Ora, já estamos em setembro.

Há outros prazos que enquadram essas "grandes manobras". No meio de setembro haverá a reunião da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, e a reunião do G-20. Nesta quarta-feira, 2,, reúnem-se na Alemanha autoridades importantes que vão estudar o último relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Esse relatório constitui um elemento crucial no "braço de ferro" entre Ocidente e Irã. O problema é que o relatório é objeto de duas leituras contraditórias.

Para os iranianos, os especialistas da AIEA notam os esforços do Irã no sentido de uma maior transparência, pois Teerã lhes deu autorização para visitar a instalação nuclear de Natanz. Já os europeus leem o relatório com outros olhos. Para o jornal francês Le Figaro, o relatório é terrível e o jornal acusa pesadamente o Irã. No entendimento de europeus, a coisa é clara: o Irá está no caminho da energia nuclear para fins militares.

Assim, eles parecem de acordo em adotar uma linha sem concessões. Mas no Conselho de Segurança da ONU, a instância apropriada para a adoção das eventuais sanções, há duas outras potências, a China e a Rússia, e elas não acompanham a posição dos ocidentais por razões geopolíticas e econômicas. Esses dois países precisam muito do petróleo e do mercado iranianos.

É significativo que o chanceler russo, Serguei Lavrov, reagiu prontamente após o anúncio de Teerã. E no sentido do apaziguamento, da moderação. "Aos nossos olhos, não há outra solução senão a via política (...) A melhor maneira de o exterior pesar as decisões iranianas é não isolar esse país, não ameaçá-lo com o uso da força, mas implicá-lo numa importante cooperação internacional. Essa é a única maneira de garantir a estabilidade e a segurança da região."

Resta uma incógnita: o conteúdo real das famosas propostas anunciadas ontem por Teerã. Deve-se notar a esse respeito uma última coincidência. Não só o anúncio foi feito pelos iranianos na véspera da reunião em Frankfurt, como apareceu também na véspera de outro grande acontecimento que se desenrolará em Teerã: o voto de confiança do Parlamento iraniano a Ahmadinejad, previsto para esta quarta-feira.

A escolha dos ministros feita por Ahmadinejad pareceu extravagante ou perigosa, não só para a oposição, mas para muitos conservadores. Ahmadinejad foi censurado por ter escolhido seus colaboradores não por sua competência, mas por sua ideologia, nomeando, por exemplo, figuras egressas das milícias e dos serviços secretos.

A oferta feita ontem pelo Irã ao Ocidente deveria ser interpretada à luz da posição difícil que Ahmadinejad ocupa agora em seu país? Alguns pensam assim, mas se trata do Irã, país fértil em artifícios, mentiras e armadilhas. O que se pode dizer, por enquanto, é que ontem uma pedra foi mexida no tabuleiro sob o olhar impassível de China e Rússia. Mas, como não se conhece a posição das outras peças, não é possível dizer se agora se trata de uma "diagonal do louco", ou de uma manobra de recuo para proteger o rei.

Fonte: Estadão

 

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