Pará entrega kit escolar elogioso ao governo

O governo do Pará está distribuindo a alunos de rede estadual 1 milhão de kits escolares e 10 mil revistas

30/09/2015 19h05
Pará entrega kit escolar elogioso ao governo
A8SE

O governo do Pará está distribuindo a alunos de rede estadual 1 milhão de kits escolares e 10 mil revistas com o logotipo da gestão de Ana Júlia Carepa (PT), o nome da governadora e textos elogiosos à própria administração.

Segundo o artigo 37 da Constituição, é proibido "constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos" na "publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos". O objetivo da lei é garantir o princípio da impessoalidade.

Dois especialistas em direito administrativo consultados disseram ver fortes indícios de irregularidades no material. Afirmaram que eles podem vir a caracterizar improbidade administrativa, que prevê como sanções desde multa até a perda dos direitos políticos dos responsáveis.

Para o advogado Alberto Rollo, os kits e as revistas ferem a lei. "Isso é expressamente vedado pela Constituição." Mesma opinião teve Pedro Serrano, professor de direito da PUC-SP, que fez a ressalva de que a avaliação era "em tese", uma vez que ele não viu pessoalmente o kit e a revista. Para ele, "no mínimo", o caso deve ser investigado.

A secretária da Educação, Iracy Gallo, negou qualquer irregularidade e disse que os materiais foram aprovados pela assessoria jurídica do governo.

É ela quem assina um texto na agenda escolar, um dos itens que compõem o kit, no qual há também duas camisetas e uma mochila. "Caro aluno, esta agenda é um presente. Demonstra nosso compromisso com a dignidade e com o ensino público de qualidade", diz.

Na página ao lado, há os nomes da secretária e da governadora. A contracapa é quase toda ocupada pelo logotipo.

Superfaturamento

As cadernetas custaram aos cofres públicos R$ 12,5 milhões, ou R$ 12,5 por unidade. No total, o governo investiu R$ 47,8 milhões nos kits. Nas mochilas também há o logotipo da administração. A reportagem não viu as camisetas. Segundo a Secretaria da Educação, elas estão sendo feitas de forma independente por conselhos educacionais estaduais e, por isso, têm diferentes estampas.

Os kits fazem parte de uma campanha publicitária de um projeto do governo que prevê a "qualificação de professores", a "democratização da gestão" e a "reforma de escolas". Nas últimas semanas, a distribuição do material tem sido destaque nas propagandas oficiais estaduais.

Algumas entregas foram feitas pela própria Ana Júlia, que aproveitou a oportunidade para elencar as "conquistas" de sua gestão. "Estas políticas públicas têm a marca do nosso governo, a marca da inclusão social", disse durante cerimônia, no último sábado.

A questão dos preços cobrados pelas agendas também levou deputados estaduais da oposição à governadora a suspeitarem de superfaturamento --informação negada pela secretária da Educação.

Argumentam que a compra de 1 milhão de unidades possibilitaria um desconto substancial no valor.

Anteontem, a Folha fez uma cotação de preços em quatro papelarias do varejo de Belém. A agenda escolar mais cara encontrada custava R$ 21,80. A mais barata, R$ 4,70. Um dos modelos, com cerca de 400 páginas (o dobro da entregue no kit) e acessórios como adesivos (que a do governo não tem), era vendida a R$ 8.

Revista

Chamada de "Educação em Revista", o material distribuído às escolas e bibliotecas anualmente é um "instrumento pelo qual prestamos contas", de acordo com um "editorial" escrito pela secretária Gallo. No texto, ela elenca também diversas ações de sua pasta.

A "mensagem da governadora" diz: "Em dois anos de mandato, já fizemos muito nesta área [educação]. Oferecemos reajustes aos trabalhadores [...] e iniciamos o processo de reforma de escolas em todo o Estado". Cita o kit escolar e diz que ele é a "novidade deste ano".

Acompanham os dois textos fotos da governadora e da secretária, que também aparecem ilustrando "reportagens" sobre investimentos da administração estatal.

Outro lado

A secretária estadual de Educação do Pará, Iracy Gallo, negou irregularidades na confecção da revista e dos kits escolares.

"Eu tenho um parecer jurídico, um contrato licitado [com a agência de publicidade]. Os processos são regulares. Porque eles têm pareceres das instituições jurídicas cabíveis", afirmou, depois de citar a PGE (Procuradoria Geral do Estado) e a assessoria jurídica da pasta que comanda. Ontem, a reportagem não conseguiu localizar representante da PGE.
Gallo também disse que os materiais foram aprovados pela Secretaria da Comunicação. Na noite da última sexta-feira, logo após a Folha ter acesso ao kit e à revista, essa secretaria informou que o material era responsabilidade exclusiva da Educação.

Para Gallo, a revista é "um relatório social". "O quem tem lá [na revista e na agenda] é um expediente. É muito importante, inclusive, para a sociedade saber quem são seus governantes, quem são os responsáveis por aquela pasta, saber a quem eles [podem] procurar."

Ela também negou que tenha havido superfaturamento nos preços.

Fonte: Folha Online

 

 

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